quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

navalha na carne

Tensão para ser experimentada em boa montagem de Plínio Marcos

04 a 26 de Fevereiro (Exceto 11 e 12 de Fevereiro) - Espaço Cultural Oratório

Vez por outra um espetáculo banca a proposta de colocar a plateia em risco. Tirá-la do lugar comum e do conforto do palco italiano. Nos últimos anos foram raras as produções do teatro mineiro que se propuseram a essa escolha de fato arriscada, mas que, quando funciona, tem um papel importante de reacender no público a sensação de pertencimento, tirá-lo da função de espectador e lançá-lo na experiência de testemunha de uma peça de teatro. Felizmente a adaptação da Companhia Confesso para “Navalha na Carne” de Plínio Marcos alcança essa função.

Desde o início, desde a primeira situação, instaura-se um clima de tensão, ligado à violência física e verbal, que exige do público uma postura moral, uma resposta pessoal ao que vê. A marginalidade do texto de Plínio Marcos é assumida ao extremo e deslocada para os outros elementos da encenação. Assim, a escolha do espaço é determinante. A precariedade do Espaço Cultural Oratório Bar, um galpão improvisado como teatro, associado à fumaça e pouca luz, não só ilustra o quarto de hotel de “quinta classe” sugerido pelo texto, como abre a possibilidade para um bordel. Sem que isso seja dito diretamente, a plateia sabe que ao se sentar nas mesas de bar dispostas pelo espaço está aceitando a convenção de que é cliente desse bordel. Está em meio à sujeira e marginalidade, em um espaço apertado, sentado a mesas por entre as quais algumas das ações serão desenvolvidas.

Marcadas por boas atuações as personagens da prostituta Neusa Sueli (Clébia Vargas), do cafetão Vado (Alex Valle) e do homossexual Veludo (Guilherme Colina) são críveis no exagero. O texto é quase que o tempo inteiro gritado. Isso incomoda, mas acompanhamos porque compreendemos que a situação também é extrema. Optando pelo realismo quase cinematográfico, a direção, talvez estreante do ator Guilherme Colina, aproveita a disponibilidade de seus companheiros de cena para ser violenta. Os tapas e bofetões são reais. As ameaças, a água e a faca também. Em verdade, falta a Colina uma transição mais nítida do Veludo que apresenta em um primeiro momento, ainda sem traços de homossexualidade, para o gay agressivo que se transforma no momento seguinte. Um deslize que não compromete já que as duas construções são muito boas, assim como as de seus colegas de cena.

A intensidade das interpretações e a retirada de algumas gírias datadas do texto original, escrito em 1967, situam a ação dramática nos dias de hoje. Quando alguma palavra ou ato sexual é executado em cena, percebe-se na plateia uma reação diferente daquela observada quando os mesmos termos e atos são utilizados em várias das comédias com sucesso de público da Campanha de Popularização. A diferença se dá por que neste caso a sexualidade é deslocada para um contexto social denso e verossímil. A peça quando bem encenada ainda tem o poder de chocar. O riso nervoso é uma constante reação do público que vê seus valores sendo quebrados e precisa pensá-los, reorganizá-los, questioná-los e/ou reafirmá-los enquanto acompanham a história.

O espetáculo é uma boa estreia da Companhia Confesso de Teatro que traz à cena uma produção honesta, acerta na escolha do autor e consegue transformar certo exagero de interpretação em sua maior virtude cênica.