Tensão para ser experimentada em boa montagem de Plínio Marcos
04 a 26 de Fevereiro (Exceto 11 e 12 de
Fevereiro) - Espaço Cultural Oratório
Vez
por outra um espetáculo banca a proposta de colocar a plateia em risco. Tirá-la
do lugar comum e do conforto do palco italiano. Nos últimos anos foram raras as
produções do teatro mineiro que se propuseram a essa escolha de fato arriscada,
mas que, quando funciona, tem um papel importante de reacender no público a
sensação de pertencimento, tirá-lo da função de espectador e lançá-lo na
experiência de testemunha de uma peça de teatro. Felizmente a adaptação da Companhia
Confesso para “Navalha na Carne” de Plínio Marcos alcança essa função.
Desde
o início, desde a primeira situação, instaura-se um clima de tensão, ligado à
violência física e verbal, que exige do público uma postura moral, uma resposta
pessoal ao que vê. A marginalidade do texto de Plínio Marcos é assumida ao
extremo e deslocada para os outros elementos da encenação. Assim, a escolha do
espaço é determinante. A precariedade do Espaço Cultural Oratório Bar, um galpão
improvisado como teatro, associado à fumaça e pouca luz, não só ilustra o
quarto de hotel de “quinta classe” sugerido pelo texto, como abre a
possibilidade para um bordel. Sem que isso seja dito diretamente, a plateia
sabe que ao se sentar nas mesas de bar dispostas pelo espaço está aceitando a
convenção de que é cliente desse bordel. Está em meio à sujeira e
marginalidade, em um espaço apertado, sentado a mesas por entre as quais
algumas das ações serão desenvolvidas.
Marcadas
por boas atuações as personagens da prostituta Neusa Sueli (Clébia Vargas), do
cafetão Vado (Alex Valle) e do homossexual Veludo (Guilherme Colina) são
críveis no exagero. O texto é quase que o tempo inteiro gritado. Isso incomoda,
mas acompanhamos porque compreendemos que a situação também é extrema. Optando
pelo realismo quase cinematográfico, a direção, talvez estreante do ator
Guilherme Colina, aproveita a disponibilidade de seus companheiros de cena para
ser violenta. Os tapas e bofetões são reais. As ameaças, a água e a faca
também. Em verdade, falta a Colina uma transição mais nítida do Veludo que
apresenta em um primeiro momento, ainda sem traços de homossexualidade, para o gay
agressivo que se transforma no momento seguinte. Um deslize que não compromete
já que as duas construções são muito boas, assim como as de seus colegas de
cena.
A
intensidade das interpretações e a retirada de algumas gírias datadas do texto
original, escrito em 1967, situam a ação dramática nos dias de hoje. Quando
alguma palavra ou ato sexual é executado em cena, percebe-se na plateia uma reação
diferente daquela observada quando os mesmos termos e atos são utilizados em
várias das comédias com sucesso de público da Campanha de Popularização. A
diferença se dá por que neste caso a sexualidade é deslocada para um contexto
social denso e verossímil. A peça quando bem encenada ainda tem o poder de
chocar. O riso nervoso é uma constante reação do público que vê seus valores sendo
quebrados e precisa pensá-los, reorganizá-los, questioná-los e/ou reafirmá-los
enquanto acompanham a história.
O
espetáculo é uma boa estreia da Companhia Confesso de Teatro que traz à cena
uma produção honesta, acerta na escolha do autor e consegue transformar certo
exagero de interpretação em sua maior virtude cênica.