quinta-feira, 29 de novembro de 2012

delírio & vertigem

Oficinão comemora 15 anos com boa montagem

 17 de Janeiro a 03 de Fevereiro - Galpão Cine Horto
23 de Novembro a 9 de Dezembro - Galpão Cine Horto

O que faz de Deliro & Vertigem uma das melhores peças do teatro mineiro no ano de 2012 não tem a ver com o bom texto, a ótima direção, uma produção eficiente e a roupagem moderna que o resultado final atinge. Sim, a peça é muito bem produzida, tem todas essas qualidades, mas o que tem de melhor não é nada disso, nada teria força não fosse a entrega e adesão dos atores à proposta da direção.

Trata-se daquilo que vez por outra alguém afirma categoricamente, todos no geral sabem, mas é tão difícil presenciar: o “encontro”. Muitas vezes bons atores trabalham com bons diretores em montagens com equipe técnica consagrada e, ainda assim, o resultado não é bom. O “encontro” não acontece sempre porque, por via de regra, não depende daquilo que o artista manipula, é resultado de circunstâncias que fogem de um planejamento objetivo.

Dito isto, só podemos falar dos outros elementos, as escolhas objetivas do processo de criação. Para começar, podemos dizer que a encenação é bonita e bem acabada. Ao entrar no teatro nos deparamos com um cenário cuja estética dialoga muito com outros espetáculos dirigidos por Rita Clemente. O cenário simples que de imediato traz a sensação de limpeza e bom gosto, associado à iluminação sofisticada, que por vezes se integra ao cenário para empregar bem os efeitos que propõe, servem para criar um território atemporal que não determina nenhuma localização, onde as histórias variadas da dramaturgia possam encaixar-se sem causar estranhamento.

O espetáculo começa e é muito difícil não grudar os olhos na figura apresentada por Débora Borges. Atriz espirituosa, jovem e carismática, cumpre a difícil tarefa de tornar orgânico o figurino que porta, tão belo que encherá os olhos de muitos amantes das artes e da moda. A figura que compõe, apresentada nos primeiros instantes, perdura na cabeça do espectador no restante da peça. A curta história que protagoniza poderia estar na coletânea de contos “A vida como ela é”, de Nelson Rodrigues, mas é um texto inédito de Jô Bilac, autor contemporâneo que com a Cia. Teatro Independente do Rio de Janeiro, nos textos dos espetáculos “Cachorro” e “Rebu”, já flertava com a atmosfera do absurdo e fantástico, reascendendo temas que poderiam ser de Nelson.

A exemplo da primeira, as outras histórias, também escritas por Jô Bilac, se aproximam do universo rodrigueano e apresentam situações extremas quase sempre com final trágico. Uma a uma elas vão sendo contaminadas por um simples passar, ou um mero ficar em cena, de personagens que não fazem parte da estória que assistimos agora, mas que ainda serão apresentados na próxima ou estiveram na última. Mérito da direção que, como um maestro, manipula a cena, orquestrando cada nota emitida pelo ator que entra e sai no tempo certo, variando os tons e semitons, com uma simplicidade que só se consegue com longos ensaios. São muitas histórias, oito só na primeira parte denominada “Delírio”, e esse jogo do contaminar vai ganhando cada vez mais força para dar unidade ao espetáculo.

No geral o elenco jovem se mostra seguro e bem dirigido durante todas as cenas. Talvez algum deslize nas nuances do texto, compreensível pela ausência de bagagem e pouca idade. Dentre os muitos atores destacam-se, além de Débora Borges já citada, Márcio Monteiro que tem bom domínio de texto e constrói personagens convincentes, transitando bem entre tragédia e comédia, e Raquel Castro que se aproveita do veio cômico que lhe é peculiar e da maior experiência que tem para protagonizar as melhores cenas do espetáculo.

Apesar da força e potência das estórias, são problemas da peça as resoluções muito rápidas com que acontecem os conflitos colocados. Em alguns casos não dá tempo de nos envolvermos com o enredo e a imediata resolução acaba tornando superficial nossa absorção. Outro ponto é que muitas vezes os personagens apresentados são tão intrigantes que gostaríamos de vê-los desenvolvidos, saber mais sobre eles e suas questões.

O que parece ser sempre uma questão dos espetáculos resultantes de um curso de formação que nasceu com a ideia de reciclagem de atores profissionais, como é o caso do Oficinão do Galpão Cine Horto, é difícil diante de um elenco numeroso encontrar textos que ofereçam oportunidades instigantes a todos os atores. Neste caso a escolha das cenas resolve essa questão em detrimento dos prejuízos já apontados. Outra escolha que parece corresponder a um processo com grande número de atores é a repetição de algumas cenas, dando-lhes nova leitura. O recurso se mostra frágil e desnecessário se comparado a outras escolhas tão acertadas da produção.

Ainda assim, o Oficinão comemora 15 anos com boa montagem que figura entre as melhores estreias do ano e, acredito, deve ter o status dos espetáculos que só podemos presenciar de vez em quando, quando o “encontro” acontece.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

na comédia de edgar, alan põe o bico

Força de interpretação é diferencial da Cia P’Atuá

1 a 4 de Novembro - Galpão Cine Horto

Em “Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” da Cia P’Atuá podemos identificar duas peças em uma. Uma delas é inspirada no conto “O Corvo” de Edgar Alan Poe onde texto, encenação e interpretação, mais elaborados, concentram a maior força de produção e duração cênica; a outra um pocket show de extrema simplicidade onde os personagens dos repentistas Zé Prenúncio e Mal Agouro fazem paródia de três músicas da dupla caipira Alvarenga e Ranchinho para apresentar ao público o Prólogo, Entreato e Epílogo, fazendo as vezes do coro da tragédia que está sendo contada.

Tamanho o entrosamento e despojo da dupla que, curiosamente e apesar da simplicidade de produção que passa pelo figurino, luz e objetos, as intervenções dos repentistas são melhores que a peça em si, e as cenas que protagonizam mais envolventes que o restante da peça. São nessas intervenções que Glicério do Rosário e Cláudio Márcio podem, de cara limpa, fazer uso maior do carisma e veio cômico que têm, compartilhando com a plateia o prazer de estar em cena. Glicério é melhor e mais completo; além de cantar e tocar bem, manipula o ritmo como senhor da cena. Cláudio Márcio ganha na atitude clownesca do augusto que se diverte com as próprias falhas. Cecília Meireles disse certa vez que a “simplicidade só se consegue através de muito trabalho”. Esta é a sensação que estes dois repentistas trazem se pensarmos neles de forma distanciada. Compor as paródias, gravá-las em estúdio, vender CD na porta e esbanjar entrosamento cênico não é tarefa simples e sim resultado de muito trabalho.

Na interface cênica criada a partir do conto “O Corvo”, o texto é mais elaborado e a encenação mais inteira, Cláudio Márcio, no papel do corvo Alan, é mais espirituoso e alcança o público pela comicidade e irreverência do personagem que constrói.  Glicério mantém boa energia, mas se ressente da dificuldade trágica do protagonista. Trata-se do escritor Edgar Alan Poe, ou apenas Edgar, como sugere a adaptação, que diante da falta de dinheiro tem de escrever uma comédia em vez da sua especialidade que é a tragédia. A trama se desenvolve de forma leve, por vezes engraçada, com o corvo ajudando Edgar a tecer o texto de sua primeira comédia e, como no conto, terminar em final trágico.

A encenação é bem feita e traz um figurino fantástico com traços impressionistas, destacando-se a elegância animalesca do corvo Alan. O cenário é mais realista, mas a utilização dada pelos atores o torna inventivo. A iluminação de Felipe Cosse e Juliano Coelho começa cheia de desenhos e efeitos, dando a impressão de que terá a mesma inspiração alcançada em estreia recente de “Ode Marítima”, mas no decorrer da peça dá licença para os atores serem os protagonistas, afinal a companhia é p’atuá.

É pena que a peça perca naquilo que tem de melhor. A força e comicidade dos repentistas elevam a energia do teatro a um patamar que a peça em si não consegue alcançar. Além disso, as soluções musicais utilizadas para que os atores possam trocar de figurino, passando de Edgar e Alan para Zé Prenúncio e Mal Agouro, não têm força dramática para preencher a cena, deixando claro para a plateia que se trata de uma mera transição. Outro problema é que essas passagens evidenciam a dificuldade técnica com os instrumentos que, por vezes, são dublados e o ator apenas finge estar tocando.

Ainda assim, com dramaturgia trabalhosa, direção coerente e indiscutível força de interpretação “Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” é mais uma boa estreia do teatro mineiro, cuja honestidade e compromisso com o trabalho de ator valem o ingresso.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

átridas – o homem morto na banheira

Espetáculo recria tragédia de Agamêmnon com encenação contemporânea

16 a 24 de Fevereiro - Sala Multiuso SESC Palladium
26 de Outubro a 04 de Novembro - Sala Multiuso Sesc Palladium

Ao ler no título da peça o nome da família “Átridas”, algum bom conhecedor do teatro grego pode esperar encontrar em cena personagens e acontecimentos anteriores ao retorno de Agamêmnon à Grécia após vencer a guerra de Troia. Como, por exemplo, a maldição de Mírtilo a Pêlops antes deste se tornar o rei do Peloponeso; ou ainda da disputa de Atreu e Tiestes, filhos de Pêlops, pelo trono de Micenas, episódio onde Tiestes seduz a mulher de Atreu e rouba-lhe o carneiro de lã de ouro que, de acordo com os deuses, lhe garantiria o trono. Mas nada disso acontece. Em “Átridas – O Homem Morto na Banheira” Atreu e Tiestes estão apenas no diálogo de seus respectivos filhos Agamêmnon e Egisto, e só.

Ansiedades e desejos pessoais à parte, a escolha da produção é trazer à cena uma boa adaptação inspirada no texto “Agamemnone”, do italiano Vittório Alfieri, focando a estória no retorno do Rei Agamêmnon, talvez o nome mais famoso da linhagem dos Átridas. Depois de liderar a vitória da Grécia sobre Troia, Agamêmnon retorna ao seu palácio em Argos para ser vítima de traição e morte pelas mãos de sua esposa Clitemnestra e seu arquirrival Egisto, filho de Tiestes, que aproveitou a ausência do Rei para tornar-se amante de sua esposa. A escolha parece acertada à medida que o espetáculo consegue desenvolver melhor a trama entre o retorno de Agamêmnon e o momento de sua morte, diferenciando-se do texto “Agamêmnon” de Ésquilo, e tornando a peça mais acessível ao publico.

Mas o que “Átridas – O Homem Morto na Banheira” tem de melhor é a encenação. Esta parece ter correspondência com a pesquisa realizada em outra montagem do Trupe de Teatro e Pesquisa intitulada “O Poema do Concreto Armado”. Na ocasião, a exemplo da montagem atual, o grupo também se valia da utilização de televisores e da ressignificação de um espaço alternativo multiuso. Desta vez, o cenário, cujo destaque é uma belíssima banheira que permeia a peça como o local onde Agamêmnon foi e será morto, abriga dois televisores. As imagens utilizadas nos vídeos são referências, ora concretas ora abstratas, ao que se passa na cena. Podemos identificar, por exemplo, imagens do filme clássico “Iphigênia”, quando a mesma é citada pela rainha, ou ainda da cantora e compositora Amy Winehouse quando Egisto, encarnando o fantasma de seu pai, canta a música “Back to Black”, da falecida popstar, cuja letra tem clara correspondência ao retorno de Tiestes para a escuridão e o fato de que a maldição de Mírtilo não morrerá, ou morrerá cem vezes e retornará.

Fazendo jus ao nome do grupo, a pesquisa é um elemento onipresente. Trabalhando de forma semiótica, a peça manipula tantos signos que é até difícil acompanhar. Na adaptação proposta ao texto é possível identificar, entre outras inserções, o poema dramático “Agamêmnon”, de Sêneca, o poema em prosa “Clitemnestra ou o crime”, de Marguerite Yourcenar, ou ainda trechos de “Hamlet Máquina”, do dramaturgo alemão contemporâneo Heiner Müller, inteligentemente transferido para a boca de Electra. Nas imagens, como havia citado, coabitam ícones clássicos e contemporâneos. Na trilha sonora músicas de vertente techno e eletro em diálogo com canções cantadas pelos atores, reeditando, por exemplo, Lupicínio Rodrigues e outros temas em francês, inglês e indiano. Tal empreitada já não é tão bem executada já que é perceptível que alguns atores estão mais bem preparados para o canto do que outros, mas que, enquanto escolha, vale pela ousadia e profusão de signos compartilhados com as imagens.

Curiosamente parece ser uma escolha da direção orientar a interpretação dos atores, colando-lhes uma voz impostada, buscando algo que talvez se aproxime da imagem construída pelo mundo moderno da maneira como se devia fazer uma tragédia grega. A proposta incomoda inicialmente, mas, à medida que a entendemos e assimilamos, ela vai perdendo o estranhamento distanciado que gerava nos primeiros minutos e podemos até experienciar a catarse de uma história trágica. Entre os atores o destaque é Jader Corrêa que se mostra à vontade como o vilão Egisto que por vezes encarna o fantasma de seu pai. A transição entre esses dois personagens é o ponto alto de interpretação da peça. Yuri Simon e Pauline Braga também dão conta dos personagens centrais de Agamêmnon e Clitemnestra. Quem parece um tanto exagerada é Alice Corrêa que apoia sua construção de Electra em tensões faciais e vocais pouco críveis.

O figurino é mais um ponto onde a escolha é radical, mas que não atinge a mesma força dos outros elementos. Trata-se de uma clara apropriação oriental, de quimonos e calças largas, que buscam diálogo com o bastão de Aikidô utilizado para as cenas de luta. Embora funcione pontualmente principalmente aos homens, no todo parece perder em coerência, evocando pouco o brio de nobreza e feminilidade da rainha e sua filha.

 “Átridas – o homem morto na banheira” tem o mérito de realizar apropriada intersecção entre o clássico e o contemporâneo com a competência de um grupo que completa 20 anos. Distinguindo-se pelo comprometimento com a pesquisa conceitual e estética, o grupo lança mão de recursos audiovisuais para apresentar uma tragédia com nova roupagem, sofisticando e enriquecendo o mito sem para isso torná-lo hermético.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

os bem-intencionados

Lume Teatro comemora 27 anos com a força de um grupo maduro ainda disposto ao risco 

27 e 28 de Julho - União Fraterna Bailes – SP
01 de Agosto a 30 de Setembro – Sesc Pompéia

Depois de anos desenvolvendo projetos menores, com no máximo quatro atores, é um prazer rever o Lume reunindo todo o elenco em cena. Carlos Simioni, Jesser de Souza, Ricardo Puccetti, Renato Ferracini, Ana Cristina Colla, Naomi Silman e Raquel Scotti Hirson trazem para o palco de “Os Bem-intencionados” a confluência de suas pesquisas de 12 anos sobre o bufão  coerentemente organizadas por dramaturgia e direção da mineira Grace Passô, do grupo “Espanca!”, de Belo Horizonte.

A constatação é que, assim como as figuras desenhados no palco, o Lume é um grupo bem intencionado, atores de meia-idade, mas com a disposição criativa de jovens atores. Uma entrega pessoal incrível. Conscientes de que aquilo que estão fazendo está próximo ao ridículo assumem o risco, e é essa escolha que torna o espetáculo tão bom. De acordo com o programa da peça a construção dos personagens teve início em 2002. Trata-se de artistas fracassados que sonham em ser cantores, se encontram em um bar e acabam se tornando amigos, compartilhando sonhos e a crueza do cotidiano. Ainda segundo o programa, a pesquisa passou por várias etapas, foi deixada de lado e retomada várias vezes, e só encontrou meios de se realizar agora, dez anos depois. Que bom!

A trilha sonora ao vivo, a boa ambientação cenográfica, que utiliza do espaço da União Fraterna Bailes (que em 2007 abrigou o filme “Chega de Saudade” de Laís Bodansky) como espaço cênico,  somada a proposta de disposição da plateia como cliente do bar, trazem para o espectador um senso de participação. Identificar esse senso de participação, olhando para as outras pessoas da plateia completamente imersas no acontecimento vivo que experimentam juntas na frente de todos, é um alento para quem acredita no teatro.

Um tom de autoajuda, mas de bom gosto, que acompanha a carreira da diretora e dramaturga Grace Passô é materializado mais uma vez com frases de efeito repetida diversas vezes: “Hei, Boy, você é o que você quer ser!”. O tema é explorado até o limite e, em associação às cenas fortes e à música cantada ao vivo pelos atores, é capaz de emocionar até mesmo o público mais frio.

Entre os atores os destaques ficam para Jesser de Souza e Ricardo Puccetti que, ajudados pela dramaturgia, apresentam as figuras exóticas com dramas mais coerentes e bem amarrados. Carlos Simeone é uma espécie de coadjuvante de luxo; como um mestre de cerimônias, dono do bar, assiste à boa parte das cenas com interferências pontuais, mas incisivas. A protagonista das melhores cenas é Ana Cristina Colla; fica para ela os momentos de maior risco, manipulando rosas e facas em cenas fortes que mobilizam o público. Em outro bom momento, que talvez seja o ápice da peça, Ana Cristina entra em um transe consciente e contagiante que aos poucos vai envolvendo os outros atores e a plateia em um desnudamento sincero e impactante. 

A intensidade da cena retrata bem a entrega desse grupo maduro e contundente. O Lume Teatro mostra em “Os Bem-intencionados“ que é ainda propenso ao risco, capaz de aplicar a bagagem técnica de anos de pesquisa a um despojamento jovem e bem-intencionado.

domingo, 4 de novembro de 2012

vulgaridades sublimes

Machado de Assis revisitado em boa forma

05 a 27 de Fevereiro - Teatro Júlio Mackenzie SESC Palladium
26 a 28 de Outubro - Teatro Sesi Holcim
03 e 04 de Novembro - Teatro João Ceschiatti

Com o mérito de buscar adaptar parte da obra de Machado de Assis para o teatro, “Vulgaridades Sublimes” da Insensata Cia de Teatro, se relaciona com os contos “Pai Contra Mãe” e “A Cartomante” para criar imagens através de um bom desenho de cena. Combinando a fisicalidade dos atores, a transparência do tecido que compõe o cenário, as cores do belo figurino e a coerente iluminação, a direção de Marcelo do Valle faz suaves composições imagéticas, “pintando” as cenas como quadros cênicos.

Os contos escolhidos parecem ter a força necessária para uma encenação, mas para tanto precisam ser realmente adaptados. É uma característica de grande parte dos contos de Machado de Assis acabar em suspensão. São muito bem preparados em sua apresentação, situando personagens e atmosfera, mas quando o problema é colocado não existe grande desenvolvimento, a estória se resolve e o conto acaba ali. Essa é uma característica difícil de realizar no teatro. Em “Vulgaridades Sublimes” sentimos falta de desenvolvimento. Quando o problema se instaura, enquanto público, não temos tempo de compartilha-lo antes de vê-lo solucionado. A sensação é que um único conto daria uma peça inteira e que da maneira com que são mostrados ficam superficiais.

Dentro dessa perspectiva, a construção dos personagens, que no geral é bem feita, peca a medida que carrega muito nas emoções. Uma tentativa de acompanhar os acontecimentos fortes e próximos uns dos outros. A direção permite que os jovens atores se percam em felicidade e tristeza demais. Muito grito, muito choro, que ficam ainda maiores de acordo com a característica intimista e pequeno tamanho do teatro escolhido para a apresentação. Assim o destaque entre os atores fica para as coadjuvantes Jú Abreu e Dani Guimarães que conseguem ser entendidas sem lançar mão de grandes exageros, tornando a cena mais crível.

Dentre os elementos de encenação chama a atenção o cenário, composto por tecidos translúcidos esticados verticalmente. Simples, bem utilizado e bastante funcional é capaz de esconder e revelar utilizando apenas um refletor. Colabora para a atmosfera de traição que dissemina intenções veladas, além de criar planos físicos utilizados, por exemplo, para a caçada da escrava fujona.

Por fim, a peça é uma boa estreia da Insensata Cia de Teatro que acerta na escolha do autor e na composição cênica, se perde em adaptação e exageros de interpretação, mas traz a cena uma produção honesta que associa trabalho e entrega pessoal, indispensáveis ao fazer teatral.