domingo, 30 de setembro de 2012

isso te interessa?

Companhia Brasileira de Teatro associa dramaturgia intrigante e boa atuação para discutir a banalidade de uma família na passagem do tempo


16 de Junho à 15 de Julho - Sesc Belenzinho - SP

De saída o espetáculo "Isso te interessa?" traz a cena um ótimo texto, dos melhores entre os que usam recursos épicos em traços de contemporaneidade. À exemplo de alguns dos principais grupos do país, como Cia dos Atores ("A Devassa" e "A Primeira Vista") e Espanca! ("O líquido Tátil"), a Companhia Brasileira de Teatro opta nessa montagem por uma dramaturgia voltada para o ser humano e seus apartamentos, a passagem do tempo no retrato de uma família que se deteriora.

De fato, essa é mesmo uma questão importante do nosso tempo, e parece ter ficado colada na pena dos dramaturgos contemporâneos que preferem falar da sociedade sem discutir questões sociais, focando no eu, seus anseios, sonhos e traumas. Em "Isso te interessa?" o filho que parte para estudar fora e evidencia a ansiedade da mãe ou a feiura velada da filha que o pai não consegue dizer, são mecanismos da dramaturgia para ser universal retratando apenas o indivíduo. Um dispositivo que vem sendo manipulado com maestria pelo grupo inclusive em outros trabalhos.

A nudez dos atores tem presença forte durante toda a encenação, mas a partir de um segundo terço da peça deixa de ser notada. Banaliza-se, e serve para nos dizer que apesar da ousadia de realizar uma peça completamente sem roupa, o figurino não faz falta nenhuma. O caso é e verdadeiro que os atores Giovana Soar, Nadja Naira, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini dão conta do recado. As interpretações precisas dão sentimento à declarada frieza do texto marcado pelas falas na terceira pessoa. A opção por dizer as rubricas é acertada mesmo que, por ora, não saibamos precisar se a escolha vem do autor ou do diretor.

Seguindo a linha da economia nos elementos de linguagem, a boa direção de Marcio Abreu opta por um cenário simples composto por poucos móveis, já que o texto, por vezes bastante descritivo cumpre a função de localizar a cena. Da mesma forma, a iluminação concentra-se em demarcar a cena, ausentando-se do excesso de efeitos para apoiar-se em cores pontuais quase inexistentes.
  
Ao final, com alguma emoção despendida, temos ao mesmo tempo a sensação de identificação e distanciamento. Uma dramaturgia intrigante que não inova, mas reloca o épico contemporâneo há um lugar de respeito. Com essa montagem, desde a escolha e tradução do texto de Ronelle Renaude, passando pela boa encenação e atuações precisas a Companhia Brasileira de Teatro deixa a impressão de um coletivo inteligente e disponível, ainda capaz de experimentação.

rei lear

Montagem da Cia Lúdica com quatro atores convidados atenua texto de Shakespeare
26 de Janeiro - Praça José Verano (Barreiro)
23 de Fevereiro - Praça da Economiza (Santa Mônica)
24 de Fevereiro - Parque Municipal (Centro)
15 de Setembro a 7 de Outubro - Praças de BH

Essa transposição da grande tragédia shakespeariana para a rua alcança o público pelo tom cômico que seus personagens desenham. Alinhado a uma herança mineira que vem desde a adaptação histórica de Romeu e Julieta do Grupo Galpão que, no maior êxito de sua carreira, transformou a tragédia do bardo inglês em um espetáculo leve e colorido, essa montagem da Cia. Lúdica dos Atores se propõe suavizar o peso da história de Lear, que incapaz de distinguir os amigos dos inimigos acaba cometendo erros fatais que levam seu reino à desgraça.

Levando-se em conta uma adaptação para a rua, a composição dos personagens dirigidos para uma escolha estética farsesca é de bom tom. Assim, o Lear de Leonardo Horta é simpático e convincente, a Cordélia de Julia Marques encontra a pureza e delicadeza necessárias à personagem, as irmãs Goneril e Regana de Milena Santana e Gabriela Dominguez disseminam bem o seu cinismo. Boas ainda as aparições do conde de Gloucester e dos bobos que abusam dos recursos da farsa em suas construções.

Do ponto de vista da encenação a direção se mostra confusa. A trilha sonora não consegue unidade, considerando que vai da música clássica a temas de filmes hollywoodianos, passando por sons de helicóptero e uma estranha sirene, utilizada para a troca de cenas, que deixa rastros de certo mau gosto. O cenário simples fica pequeno para dar conta de centralizar a atenção do espectador à ação da peça, deixando os atores desprotegidos em relação aos demais atrativos visuais que podem capturar o olhar da plateia, se tratando de uma peça na rua.

No sentido oposto o figurino se perde em uma profusão de cores, materiais e texturas mais uma vez confusas e incoerentes. Mesmo a roupa base, comum a todos os atores, está alinhada à escolha de excesso de informação e foge do básico à medida que compõe uma camisa em retalhos de quatro cores diferentes. Intrigante também é a sua subutilização, servindo apenas à troca dos demais figurinos e não sendo utilizado em ocasiões neutras, por exemplo, para diferenciar o momento em que um dos atores é narrador e não representa nenhum personagem.

Algumas adaptações textuais, como o disfarce de louco de Edgar convertido em Zé Goiaba, e a aproximação do reino da Bretanha à cidade de Belo Horizonte, dividindo seus limites do Barreiro de Baixo à Venda Nova, têm a virtude de aproximar o público, tendo-se em conta a dificuldade que boa parte da plateia terá de acompanhar os acontecimentos e as incursões dos atores que se revezam em vários personagens. Amenizar a culpa, a loucura, a fúria e a dor da tragédia shakespeariana através da farsa, alçando bons momentos de graça e jogo cênico, é o recurso que essa montagem utiliza para nos convidar a revisitar O Rei Lear, de Shakespeare. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

janela de dramaturgia

Projeto importante que pela demanda já nasce defasado


25/09, 30/10, 13/11, 27/11, 11/12 Sede do Espanca! - BH


Nos limites territoriais restritos e sem interlocução em que vivem os artistas de teatro em Belo Horizonte, toda e qualquer janela minimamente aberta já se faz imediatamente imprescindível. Nessa categoria o projeto Janela de Dramaturgia abre uma aresta de sol aos textos e dramaturgos belorizontinos. Incentivando-os a testar e a se arriscar em tirar seus textos das pastas de arquivo esquecidas em cada computador. Uma ideia tão boa que, em sua noite de estreia, lá estava uma boa parte da classe teatral para conferir se ia dar certo; vários dos jovens e mais bem-intencionados atores, diretores, produtores e, por que não, dramaturgos, reunidos para ver e refletir sobre as novas dramaturgias, ou talvez para criar coragem e também tirar os seus próprios textos das gavetas.

Parece tão importante a iniciativa que já nasce defasada. Em análise crua pensamos, imediatamente ao ler a relação dos autores convocados até o mês de Dezembro, que se faz necessário trazer e buscar mais dramaturgos. Buscar, nesse ou em outro projeto do tipo, gente velha e gente nova e, principalmente, não se restringir a textos que busquem linguagens contemporâneas. Não apenas metalinguagens e experimentações que são quase sempre desdobramentos do épico, mas abrir para conhecer textos comerciais, dramáticos, comédias, tragédias...

Já há alguns anos foi criado em Belo Horizonte o Clube da Leitura, tão importante quanto, mas que optou por não se restringir a textos inéditos. Em proposta não muito clara se meteu a ler coisas já montadas de gente conhecida. Essa característica acabou enfraquecendo o discurso e demanda já imprescindível de trazer à luz textos inéditos.

Com o mérito indiscutível da periodicidade mensal e cronograma antecipado o Janela da Dramaturgia foca em textos inéditos e isso é muito bom. Fica a sugestão e desejo que este ou outro projeto do tipo venha a se tornar em uma forma de peneirar, colocar em jogo, transpor para a boca dos atores os desejos e demandas da sociedade.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

o líquido tátil

Espanca! estreia peça cujo pilar é a atuação


3 de Outubro a 4 de Novembro - CCBB - RJ
1 a 23 de Setembro - Sede do Espanca! - BH


“O Líquido Tátil”, novo espetáculo do Espanca!, é resultado do encontro do grupo com o diretor argentino Daniel Veronese que também assina o texto, escrito em 1997. Curioso é que o que realmente salta aos olhos e motiva o boca a boca após a apresentação é a qualidade, já conhecida, dos atores em cena.

A atriz Grace Passô destaca-se de seus partners à medida que apresenta os contornos de uma mulher neurótica aficionada por cachorros. Seu tato com as palavras ditas é como sempre muito bom, dando nuance e peso a cada coisa. Seguindo um ritmo alucinante e convincente ela nos faz crer e participar da proposta metalinguística do texto, carregando-a de emoção. A atriz divide a cena com Gustavo Bones e Marcelo Castro que também convencem, captando a plateia com personagens consistentes que atingem coerência em um texto com lampejos de absurdo. Arriscamos dizer que o primeiro será mais lembrado pelo carisma e prazer que manipula no palco, convidando o público para um jogo de troca e cumplicidade, a nosso ver, essenciais ao fazer teatral.

A feia encenação parece ser uma pesquisa do diretor que repete em “O líquido Tátil” a estética cenográfica de “Los hijos se han dormido” que se apresentou na cidade, compondo a programação do FIT-BH 2012. Na receita de um realismo que não é real, uma espécie de compensado depreciado, inclusive dramaturgicamente em uma discussão do real, é chutado e quebrado aos olhos do público. Verdadeiramente sujo, feio e digno de depreciação é somado a móveis que podem ter sido encontrados em um “topa-tudo” e que parecem querer situar a cena em uma classe média, que deve morar mais na Argentina do que no Brasil, onde as linhas de crédito das “Casas Bahia” vêm deixando tudo mais bonitinho. Seguindo o tom da cenografia, o figurino é estranho, mas cumpre um papel realista de certo desleixo “cotidiano” que se alinha à composição dos personagens.

A dramaturgia tem uma estrutura forte, mas se perde no aspecto semântico. Os percalços das personagens, cada uma enfrentando a sua própria neurose, cada uma enfrentando seu trauma particular na realidade da família – composta por marido, esposa e irmão do marido – se apresentam interessantes em um primeiro momento, mas, apesar das resoluções, às vezes, até surpreendentes a que chegam, não diz muito a que vieram. Ao fim da apresentação saímos com a sensação de que falta um querer dizer, um querer se posicionar, passando em branco alguma tentativa de comunicação e deixando claro que o interesse, expresso pelo grupo, era mais no trabalho com o diretor e a arte latino-americana do que na necessidade de discussão de algum tema específico.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

cabaré vagabundo

Referência ao Teatro de Revista é escolha acertada

7 a 9 de Setembro - Galpão Cine Horto

Um espetáculo contagiante! Embalados pela trilha sonora executada ao vivo por músicos convidados e pelos atores que cantam e se arriscam em alguns instrumentos, como espectador temos vontade de cantar e dançar juntos. É bom identificar tecnicamente o trabalho de preparação musical e coreográfico do elenco e ao mesmo tempo se perceber participante da cena. Sussurramos as letras não originais e até somos levados pelas músicas criadas especialmente para a produção do Grupo Oriundo.

O texto de Antônio Hidelbrando, que também dirige a peça, lança mão de recursos épicos, advindos de longa pesquisa do diretor, para falar da difícil vida de artista. O tema parece estar na pauta de vários espetáculos dos últimos anos, entre eles Os Bem Intencionados, do Lume Teatro de Campinas, que estreou este ano com direção e dramaturgia da mineira Grace Passô. Parênteses: a peça do Lume é especial por trazer à cena um grupo de atores e pesquisadores com trabalho de 27 anos juntos. A entrega, o risco, a técnica dos atores, aliado a dramaturgia e direção segura de Grace, faz da peça uma das melhores do ano.

Diferencial de Cabaré Vagabundo é a clara referência ao Teatro de Revista. Espalhafato, musicalidade e irreverência são os ingredientes que o diretor lança mão na captura do público. O elenco é bom e demonstra prazer e brilho nos olhos. Os destaques ficam para Helaine de Freitas e sua composição da mocinha do interior, Tatá Santana e seu personagem inseguro com traços de Ney Matogrosso, Izabela Arvelos por sua força e presença cênica, e Raysner d’ Paula que alcança contornos de narrador cinematográfico no terço final da apresentação.

O cenário é simples e funcional, bem utilizado sempre que requisitado. O Figurino escorrega um pouco na coerência, sendo ora realista ora não, ora luxoso ora não, parece ter tido dificuldade para acompanhar as peripécias do texto, se perdendo um pouco na falta de unidade. A iluminação é um pouco dura, e no geral também não acompanha a força, espalhafato e potência do espetáculo.

Por fim, ressalta-se a iniciativa do Grupo Oriundo de Teatro que vem dando vazão aos textos de Fernando Hidelbrando, produzindo bons espetáculos, convocando equipes de técnicos e atores de alto nível.