segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

argonautas de um mundo só

Tecnologia e formalismo em reflexão sobre o mundo midiático

04 a 13 de Janeiro - Sala Multiuso Sesc Palladium
6 a 16 de Dezembro - Spetáculo Casa de Artes

No vídeo projetado na porta de entrada do teatro o grupo de atores nos sugere aquilo que pode ser o mote do espetáculo: é possível estabelecer relações humanas verdadeiras através do distanciamento de uma mediação técnica? Intrínseca, essa pergunta perpassa o espetáculo através de quatro personagens que vão figurar em mundos particulares. Apesar de dividirem o mesmo palco, estão em espaços cênicos diferentes e não vão se olhar nos olhos; vão buscar se relacionar através de celulares, computadores, câmeras e projeções ao vivo.

Apesar de certo formalismo na concepção das cenas a proposta é instigante. Em dramaturgia não linear pautada nas possíveis relações inerentes dos dispositivos tecnológicos, o espetáculo alcança o público pela empatia dos personagens que, perdidos e solitários, por vezes acabam se tornando risíveis. Como acontece, por exemplo, na divertida cena em que Alexandre Vasconcelos se atrapalha enquanto prepara uma simples vitamina de banana, seguindo à risca um livro de receitas. No geral os atores imersos na proposta vão fundo na busca de revelar a massificação e alienação dos personagens.

Priscilla D’Agostini chama atenção pela entrega, protagonizando cenas difíceis como o bom momento em que dubla uma projeção de si mesma, revelando nova faceta da personagem. Bem disposto Glauco Mattos sobressai em movimentos precisos, aplicando desenvoltura corpórea na execução das ações. No bom elenco o destaque é Fafá Fernandes que tem maior presença e domínio de texto, dando organicidade à encenação midiática. Atriz versátil e sem preconceitos, ganha na experiência diária porque sabe transitar em produções dos mais variados gêneros, construindo e se formando nos palcos, uma atitude que serve de exemplo a ser seguido por muitos de seus colegas de classe. 

Na visível experimentação que o espetáculo submerge, fica a vontade de ver melhor explorado alguns recursos interessantes, como a projeção no corpo dos atores, cujas fotos do programa da peça sugerem ter alcançado caminhos ainda mais belos e curiosos. As soluções para mudança de cena que propõe movimentação dos atores, luz baixa com efeitos de gobo (que vem acompanhando as últimas criações de Felipe Cosse) e a cenografia sendo arrastada de um lado para o outro apontam o desejo da direção de Júlio Viana em instaurar uma atmosfera contemporânea. Infelizmente o recurso não se sustenta e acaba fazendo coro ao formalismo já mencionando que nesse momento já se aproxima de ficar um pouco chato e repetitivo.

O título da peça remete aos tripulantes da nau Argo de Jasão, aqueles que viveram muitas aventuras e conheceram muitos mundos em busca do carneiro de ouro. Procurando alguma significação mais elaborada, penso que os personagens de “Argonautas de Um Mundo Só” navegam pela world wide web e, ainda que compartilhem da promessa de grandes aventuras virtualizadas, mantêm-se presos ao seu mundo físico.

A parafernália em cena e a concepção de cenas esteticamente midiatizadas podem chegar ao espectador com certo distanciamento; um teatro muito cerebral a princípio, mas que se desenvolve, e no terço final do espetáculo consegue virar a chave e dar sua mensagem com soluções mais simples diante da referência apresentada no começo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

eu não sou cachorro não

Musical brega traz a marca do diretor Fernando Bustamante em boa produção

02 de Março - Grande Teatro SESC Palladium
02 a 25 de Novembro – Teatro Dom Silvério

Empreendedorismo é uma palavra que pode ser associada ao diretor Fernando Bustamante. Nos últimos anos vem se dedicando à profissionalização do teatro musical em Belo Horizonte, sempre trazendo aos palcos boas produções ligadas ao gênero. Alguns dos espetáculos que montou foram reconhecidos e premiados, além de conquistar sem reservas grande parte do público de teatro infantil. Dentre eles estão “A Pequena Sereia”, em versão estendida e pocket, “Lampiãozinho e Maria Bonitinha” e “A Arca de Vinícius”.

Os primeiros minutos de “Eu não sou cachorro não” dão vestígios de que tal empreendedorismo nos levará, mais uma vez, para ótimos caminhos. Com recursos próprios o diretor realiza uma superprodução, aplicando visível esforço em um cenário grande, correto figurino, iluminação sofisticada e, somando atores e bailarinos, contabiliza mais de quinze pessoas em cena. Entre eles Tania Alves, uma atriz de projeção nacional, que distante dos palcos mineiros há muitos anos reaparece cantando e atuando com um personagem denominado “o furacão de Buenos Aires”.

A peça aposta no bom argumento de Leo Mendonza que se propõe a costurar a dramaturgia em cima de músicas bregas de compositores brasileiros, como Waldick Soriano, Agnaldo Timóteo e Wando. Pena que o texto não acompanha o argumento e a trama é simplória, assumindo a clara função de apenas servir de escada para as canções, onde se percebe a preocupação da equipe em priorizar a musicalidade em detrimento do teatro.

E é esse o maior deslize do espetáculo. O que não é bom e desvaloriza a montagem é o teatro em si. Focado em fazer os atores cantar bem, o espetáculo peca na construção dos personagens, na ação e reação, naquilo que deve ser o elemento chave de qualquer teatro, seja ele musical ou não: o jogo. Nessa toada o jovem protagonista canta muito bem, mas como intérprete não está à altura da produção e é com certeza um dos mais fracos em cena. Tania Alves tem bons momentos, mas parece perder força na escolha da personagem argentina que não alcança o tom e potência do “furacão” sugerido pelo texto. Seu partner, Leo Mendonza, parece colar uma máscara enrugada no rosto para expressar os mais variados sentimentos. Com a mesma expressão piedosa busca dizer tanto que ama quanto que sofre ou lamenta a perda de sua amada.

O destaque do elenco principal é a atriz Jai Baptista, que consegue cantar bem e ainda se fazer crer, conquistando a simpatia do público que tem diante de si um elenco tão irregular. No geral as coadjuvantes femininas estão mais seguras e à vontade que os masculinos, também marcados por más interpretações. Tamanha a dificuldade em atuação que muitas vezes os bailarinos e bailarinas que participam sem fala de determinadas cenas manipulam maior poder de convencimento que os ditos atores.

Ainda assim, com bom desenho de cena associado à concepção coreográfica e forte encenação, o espetáculo atinge a catarse através das canções bregas que permeiam o imaginário da plateia. Um elemento da ficha técnica que merece ser citado é a iluminação que sabe aproveitar o cenário para valorizar planos e construir atmosferas.

Fernando Bustamante parece ter percebido que os atores mineiros não têm a devida formação para o estilo musical e, para solucionar este problema, foi pioneiro em criar uma escola para tal fim, o CAMA – Centro de Atividades Musicais e Artísticas. A iniciativa que deve ser reconhecida e reverenciada poderia servir como um ponto de equilíbrio para as produções do diretor, formando mais atores que saibam cantar do que cantores que não sabem atuar.