Grupo Galpão: O gigante das praças
30
de Maio à 2 de Junho - Praça do Papa
8
e 9 de Junho - Parque Ecológico da Pampulha
Há uma atmosfera amistosa no ar. Duas
horas antes do início do espetáculo as pessoas já se aglomeravam na Praça do
Papa. Juntinhos, com roupas pesadas, chapéus, toucas, luvas e... vinhos(!) -
todo um aparato para enfrentar o frio e (ainda) o risco de chuva. Fica claro
pra mim que aquelas milhares de pessoas não saíram de casa no feriado para
assistir uma peça de teatro. É claro que elas sabem e esperam que haja sonho,
drama, riso e ilusão, mas isso é um pretexto. A multidão presente estava ali
para celebrar a vida, estava ali para se encontrar com os artistas que elegeram
para ser seus amigos. É o grupo de teatro de estimação da cidade de Belo
Horizonte, um grupo com projeção nacional e internacional, mas que agrega ao
caráter popular dos espetáculos que o consagrou, palavras como afeto, carinho,
carisma e cumplicidade
A estréia de “Os Gigantes da
Montanha”, novo espetáculo do Grupo Galpão, não é apenas um grande evento com
milhares de pessoas para ver um produto artístico, é uma gigantesca reunião de
amigos. É Fascinação! É de arrepiar boa parte do público quando as luzes se
apagam e, baixinho, como que saindo de uma radiola dos anos 60, a música
“Fascinação” na voz de Elis Regina começa a tocar. Muitos, centenas, talvez
milhares, cantam junto. Algo se move dentro de cada um. O público está pronto
para o testemunho.
A peça marca o reencontro do grupo
com o diretor Gabriel Villela que dirigiu, entre outros espetáculos, “Romeu e
Julieta”, montagem mais importante na trajetória de mais de 30 anos da
companhia. O texto tem valor histórico já que é o último do dramaturgo italiano
Luigi Pirandello e a obra, inacabada, teve uma versão final ditada pelo autor a
um de seus filhos em seu leito de morte.
Seria difícil falar da peça sem
citar esses aspectos porque, acredito, são indissociáveis da recepção. Ainda
assim, vamos tentar o distanciamento necessário no intento de promover uma
análise. O espetáculo inicia com todo o elenco cantando, estático, em formação
de coro. A música italiana é orquestrada por Ernani Maletta, parceiro de outros
tantos trabalhos do grupo, e ajuda a aumentar a emoção. Seguindo o clima
amistoso ao fim da execução o público aplaude efusivamente. Mantendo essa mesma
formação de coro o grupo dá início ao espetáculo e neste momento, e nos
próximos, o tom discursivo prevalece. Talvez falte a encenação uma proposta de
movimentação e composição como recurso de comunicação. Não é uma peça que leva
os atores à muitas ações, como, por exemplo, o próprio “Romeu e Julieta” fazia
com sua Veraneio móvel, perna de pau e qüiproquós. Para a rua, onde o foco é
disperso, o início do texto e sua encenação não chega plenamente e muito do que
é dito se perde.
O problema se ameniza quando jogos
simples são propostos pela direção. Bom exemplo é a ação do ator Antonio Edson
que descreve a outros dois personagens cômicos que em determinado lugar do
corredor pode ouvir uma música vinda do além. A demonstração física – ele entra
em baixo de uma sombrinha – tem reação imediata do outro lado do palco, onde as
figuras místicas e mascaradas dos “fantoches” cantam ou param de cantar de
acordo com a sua movimentação. É mais uma vez o jogo ensinando ao teatro seus
processos eficazes de teatralidade.
Como Antonio Edson, os atores do
grupo se valem das qualidades reveladas e compreendidas ao longo dos anos.
Eduardo Moreira assume os textos poéticos dando-lhes dignidade, fazendo caber
na boca a grandeza das palavras de Pirandello. Inês Peixoto é a Condessa Ilse
protagonista completa na fé cênica e expressão cômica. Beto Franco mais
comedido. Lydia Del Picchia, Teuda Bara, Arildo de Barros e Júlio Maciel
disseminando carisma em personagens bem construídos que pesam na teatralidade.
Destacam-se no elenco os coadjuvantes cômicos de Paulo André e Simone
Ordones. Para essa montagem o Galpão
convidou os atores Luiz Rocha e Regina Souza que por conta da musicalidade em
canto e instrumentos se incorporam bem ao grupo. Regina protagoniza ainda boa
cena quando assume a personagem Madalena.
Mais uma vez, a riqueza de uma
grande produção deixa sua marca. O figurino é belíssimo, o cenário é lindo e a
iluminação cheia de bons efeitos. É uma tríade orgânica que trabalha para
construir o ambiente onírico sugerido pelo texto que fala de fantasmas, magia e
imaginação. O figurino distingue dois grupos: os moradores da Vila onde
predomina o branco com muitos panos sobrepostos e adereçaria fantasmagórica; e
a trupe de teatro que chega à Vila, onde os tons escuros de verde e preto
recebem bordados de flores e arabescos coloridos de encher os olhos.
O espetáculo não é o melhor do
grupo, mas essa não é uma questão. O que as milhares de pessoas ali presentes
foram ver estava presente. É provável que não saíram surpreendidas com uma nova
proposta de encenação, uma catarse causada pelo texto, ou um ator transfigurado
em uma atuação maior do que as já conhecidas. Mas sim, levaram para casa um
experiência transformadora, um verdadeiro encontro entre bons amigos!