sexta-feira, 31 de maio de 2013

os gigantes da montanha

Grupo Galpão: O gigante das praças 



 30 de Maio à 2 de Junho - Praça do Papa
8 e 9 de Junho - Parque Ecológico da Pampulha


Há uma atmosfera amistosa no ar. Duas horas antes do início do espetáculo as pessoas já se aglomeravam na Praça do Papa. Juntinhos, com roupas pesadas, chapéus, toucas, luvas e... vinhos(!) - todo um aparato para enfrentar o frio e (ainda) o risco de chuva. Fica claro pra mim que aquelas milhares de pessoas não saíram de casa no feriado para assistir uma peça de teatro. É claro que elas sabem e esperam que haja sonho, drama, riso e ilusão, mas isso é um pretexto. A multidão presente estava ali para celebrar a vida, estava ali para se encontrar com os artistas que elegeram para ser seus amigos. É o grupo de teatro de estimação da cidade de Belo Horizonte, um grupo com projeção nacional e internacional, mas que agrega ao caráter popular dos espetáculos que o consagrou, palavras como afeto, carinho, carisma e cumplicidade

A estréia de “Os Gigantes da Montanha”, novo espetáculo do Grupo Galpão, não é apenas um grande evento com milhares de pessoas para ver um produto artístico, é uma gigantesca reunião de amigos. É Fascinação! É de arrepiar boa parte do público quando as luzes se apagam e, baixinho, como que saindo de uma radiola dos anos 60, a música “Fascinação” na voz de Elis Regina começa a tocar. Muitos, centenas, talvez milhares, cantam junto. Algo se move dentro de cada um. O público está pronto para o testemunho.

A peça marca o reencontro do grupo com o diretor Gabriel Villela que dirigiu, entre outros espetáculos, “Romeu e Julieta”, montagem mais importante na trajetória de mais de 30 anos da companhia. O texto tem valor histórico já que é o último do dramaturgo italiano Luigi Pirandello e a obra, inacabada, teve uma versão final ditada pelo autor a um de seus filhos em seu leito de morte. 

Seria difícil falar da peça sem citar esses aspectos porque, acredito, são indissociáveis da recepção. Ainda assim, vamos tentar o distanciamento necessário no intento de promover uma análise. O espetáculo inicia com todo o elenco cantando, estático, em formação de coro. A música italiana é orquestrada por Ernani Maletta, parceiro de outros tantos trabalhos do grupo, e ajuda a aumentar a emoção. Seguindo o clima amistoso ao fim da execução o público aplaude efusivamente. Mantendo essa mesma formação de coro o grupo dá início ao espetáculo e neste momento, e nos próximos, o tom discursivo prevalece. Talvez falte a encenação uma proposta de movimentação e composição como recurso de comunicação. Não é uma peça que leva os atores à muitas ações, como, por exemplo, o próprio “Romeu e Julieta” fazia com sua Veraneio móvel, perna de pau e qüiproquós. Para a rua, onde o foco é disperso, o início do texto e sua encenação não chega plenamente e muito do que é dito se perde.  

O problema se ameniza quando jogos simples são propostos pela direção. Bom exemplo é a ação do ator Antonio Edson que descreve a outros dois personagens cômicos que em determinado lugar do corredor pode ouvir uma música vinda do além. A demonstração física – ele entra em baixo de uma sombrinha – tem reação imediata do outro lado do palco, onde as figuras místicas e mascaradas dos “fantoches” cantam ou param de cantar de acordo com a sua movimentação. É mais uma vez o jogo ensinando ao teatro seus processos eficazes de teatralidade.

Como Antonio Edson, os atores do grupo se valem das qualidades reveladas e compreendidas ao longo dos anos. Eduardo Moreira assume os textos poéticos dando-lhes dignidade, fazendo caber na boca a grandeza das palavras de Pirandello. Inês Peixoto é a Condessa Ilse protagonista completa na fé cênica e expressão cômica. Beto Franco mais comedido. Lydia Del Picchia, Teuda Bara, Arildo de Barros e Júlio Maciel disseminando carisma em personagens bem construídos que pesam na teatralidade. Destacam-se no elenco os coadjuvantes cômicos de Paulo André e Simone Ordones.  Para essa montagem o Galpão convidou os atores Luiz Rocha e Regina Souza que por conta da musicalidade em canto e instrumentos se incorporam bem ao grupo. Regina protagoniza ainda boa cena quando assume a personagem Madalena. 

Mais uma vez, a riqueza de uma grande produção deixa sua marca. O figurino é belíssimo, o cenário é lindo e a iluminação cheia de bons efeitos. É uma tríade orgânica que trabalha para construir o ambiente onírico sugerido pelo texto que fala de fantasmas, magia e imaginação. O figurino distingue dois grupos: os moradores da Vila onde predomina o branco com muitos panos sobrepostos e adereçaria fantasmagórica; e a trupe de teatro que chega à Vila, onde os tons escuros de verde e preto recebem bordados de flores e arabescos coloridos de encher os olhos.

O espetáculo não é o melhor do grupo, mas essa não é uma questão. O que as milhares de pessoas ali presentes foram ver estava presente. É provável que não saíram surpreendidas com uma nova proposta de encenação, uma catarse causada pelo texto, ou um ator transfigurado em uma atuação maior do que as já conhecidas. Mas sim, levaram para casa um experiência transformadora, um verdadeiro encontro entre bons amigos!

4 comentários:

  1. OS GIGANTES ADORMECIDOS
    Critica Espetáculo


    O Grupo Galpão volta mais uma vez ao trabalho do teatro de rua, lugar onde abrilhantou olhos curiosos e consagrou sua carreira. A montagem trás figurinos ricos em detalhes e significados e um cenário primoroso que coloria a noite belorizontina, contudo, mesmo com todos esses elementos, nossos gigantes do teatro não conseguiu trazer de volta a magia cênica que se viu em montagens como Romeu e Julieta, Um Molière Imaginário e Rua da Amargura.


    A fábula narra a chegada de uma companhia teatral decadente a uma vila mágica, povoada por fantasmas e governada pelo Mago Cotrone. Tudo começa muito bem com um coral de vozes unissom que anuncia uma noite de grandes emoções, mas, infelizmente, o que se vê posteriormente são interpretações perdidas e um desenrolar de cenas enfadonhas e desconexas, muito aquém do já realizado em peças anteriores pelos nossos gigantes do teatro mineiro, transformando a encenação de Os Gigantes da Montanha em uma sequência de interpretações monocórdias e repetidas.


    Desde o espetáculo Eclipse, o Grupo tem optado em trabalhar uma linguagem não linear em busca de um surrealismo lírico, contudo, o que se nota em Os Gigantes da Montanha é uma total despreocupação da encenação com que o texto chegue ao público. Isso talvez justifique os rumores de espectadores ao redor sobre não estar entendendo onde a peça queria chegar, ou até mesmo seja um dos motivos pelo qual dezenas de pessoas abandonaram a Praça do Papa no decorrer do espetáculo, possivelmente saudosos da brasa que ardia em encenações que outrora ocorreram naquele mesmo lugar, mas também uma enunciação clara de que não embarcaram na proposta.


    A musicalidade, sempre presente no histórico da trupe se apresenta como elemento fundamental na tradução do universo da fábula para o teatro popular de rua, contudo se por um lado conseguem encantar o público cantando em conjunto, seus números solos vão bem na contramão dessa via sonora. Rodolfo Vaz que desempenhou papéis brilhantes fora do Galpão, como em “O Amor e Outros Estranhos Rumores” e “Antes do Silêncio”, não consegue repetir a maestria em “Os Gigantes da Montanha”. E nem mesmo a boa execução na cena do enforcado consegue apagar o estrago sonoro causado após cantar sua música solo. O mesmo não acontece com o solo de Regina Souza ao interpretar Madalena – que traz a cena um dos momentos auges do espetáculo –, e no solo de Eduardo Moreira, que mesmo tendo um coral de vozes femininas ao fundo canta com suavidade.


    Tarimbada, Inês Peixoto interpreta a condessa Ilse, personagem central da fábula, e mostra em cena toda sua experiência do teatro de rua no que se refere a interação com a plateia, contudo, não consegue fugir dos marcantes estereótipos vocais e gritos histéricos, que já vem lhe acompanhando em montagens como em seu recente trabalho no espetáculo “Till”. Não obtante, essa não é uma característica notada apenas na interpretação de Peixoto, mas também na de vários outros atores, como é notório em Antonio Edson que pega emprestado de seu Tio Vânia várias das entonações utilizadas em seu personagem Cromo, tornando a encenação apenas mais um monte do mesmo.


    Apesar desses atropelos, Os Gigantes da Montanha possui muitos méritos visuais como o deslumbrante cenário feito de madeira de demolição ou mesmo seus figurinos recortados por tecidos trazidos da Ásia, do Peru e de outros cantos do Brasil, que exemplificam o cuidado e os investimentos com a produção do espetáculo. Porém, nem todos esses artifícios foram suficiente para acordar nossos gigantes que pareciam adormecidos nessa noite de 30 maio, mas mesmo assim conseguiu prender até o final grande parte do seu público fiel. Ao meu lado duas espectadoras perguntaram: “Qual o nome desse espetáculo?” Isso nos leva a refletir sobre a responsabilidade da trupe em carregar uma marca tão forte, pois talvez o Grupo Galpão não seja o sabor da nova geração, mas certamente traz consigo um sinônimo de qualidade artística, que arrasta multidões e, por todo esse histórico, merecem nossos aplausos.

    Tia Daniele

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  2. olá Tia Daniele,
    obrigado por seus comentários e diferentes pontos de vista.

    obs: o ator Rodolfo Vaz não está em cena em "Os Gigantes da Montanha". a cena do enforcado é protagonizada por Julio Maciel.

    abraço!
    Bento

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  3. Olá Bento!

    Retrato meu equívoco e deixo minhas sinceras desculpas aos leitores e ao Rodolfo.

    Abraço,

    Tia Daniele

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  4. A peça é maravilhosa. Intensa. Lírica. Um espetáculo para ser visto e revisto sem contar o número de vezes... Amei cada minuto.

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