sexta-feira, 31 de maio de 2013

os gigantes da montanha

Grupo Galpão: O gigante das praças 



 30 de Maio à 2 de Junho - Praça do Papa
8 e 9 de Junho - Parque Ecológico da Pampulha


Há uma atmosfera amistosa no ar. Duas horas antes do início do espetáculo as pessoas já se aglomeravam na Praça do Papa. Juntinhos, com roupas pesadas, chapéus, toucas, luvas e... vinhos(!) - todo um aparato para enfrentar o frio e (ainda) o risco de chuva. Fica claro pra mim que aquelas milhares de pessoas não saíram de casa no feriado para assistir uma peça de teatro. É claro que elas sabem e esperam que haja sonho, drama, riso e ilusão, mas isso é um pretexto. A multidão presente estava ali para celebrar a vida, estava ali para se encontrar com os artistas que elegeram para ser seus amigos. É o grupo de teatro de estimação da cidade de Belo Horizonte, um grupo com projeção nacional e internacional, mas que agrega ao caráter popular dos espetáculos que o consagrou, palavras como afeto, carinho, carisma e cumplicidade

A estréia de “Os Gigantes da Montanha”, novo espetáculo do Grupo Galpão, não é apenas um grande evento com milhares de pessoas para ver um produto artístico, é uma gigantesca reunião de amigos. É Fascinação! É de arrepiar boa parte do público quando as luzes se apagam e, baixinho, como que saindo de uma radiola dos anos 60, a música “Fascinação” na voz de Elis Regina começa a tocar. Muitos, centenas, talvez milhares, cantam junto. Algo se move dentro de cada um. O público está pronto para o testemunho.

A peça marca o reencontro do grupo com o diretor Gabriel Villela que dirigiu, entre outros espetáculos, “Romeu e Julieta”, montagem mais importante na trajetória de mais de 30 anos da companhia. O texto tem valor histórico já que é o último do dramaturgo italiano Luigi Pirandello e a obra, inacabada, teve uma versão final ditada pelo autor a um de seus filhos em seu leito de morte. 

Seria difícil falar da peça sem citar esses aspectos porque, acredito, são indissociáveis da recepção. Ainda assim, vamos tentar o distanciamento necessário no intento de promover uma análise. O espetáculo inicia com todo o elenco cantando, estático, em formação de coro. A música italiana é orquestrada por Ernani Maletta, parceiro de outros tantos trabalhos do grupo, e ajuda a aumentar a emoção. Seguindo o clima amistoso ao fim da execução o público aplaude efusivamente. Mantendo essa mesma formação de coro o grupo dá início ao espetáculo e neste momento, e nos próximos, o tom discursivo prevalece. Talvez falte a encenação uma proposta de movimentação e composição como recurso de comunicação. Não é uma peça que leva os atores à muitas ações, como, por exemplo, o próprio “Romeu e Julieta” fazia com sua Veraneio móvel, perna de pau e qüiproquós. Para a rua, onde o foco é disperso, o início do texto e sua encenação não chega plenamente e muito do que é dito se perde.  

O problema se ameniza quando jogos simples são propostos pela direção. Bom exemplo é a ação do ator Antonio Edson que descreve a outros dois personagens cômicos que em determinado lugar do corredor pode ouvir uma música vinda do além. A demonstração física – ele entra em baixo de uma sombrinha – tem reação imediata do outro lado do palco, onde as figuras místicas e mascaradas dos “fantoches” cantam ou param de cantar de acordo com a sua movimentação. É mais uma vez o jogo ensinando ao teatro seus processos eficazes de teatralidade.

Como Antonio Edson, os atores do grupo se valem das qualidades reveladas e compreendidas ao longo dos anos. Eduardo Moreira assume os textos poéticos dando-lhes dignidade, fazendo caber na boca a grandeza das palavras de Pirandello. Inês Peixoto é a Condessa Ilse protagonista completa na fé cênica e expressão cômica. Beto Franco mais comedido. Lydia Del Picchia, Teuda Bara, Arildo de Barros e Júlio Maciel disseminando carisma em personagens bem construídos que pesam na teatralidade. Destacam-se no elenco os coadjuvantes cômicos de Paulo André e Simone Ordones.  Para essa montagem o Galpão convidou os atores Luiz Rocha e Regina Souza que por conta da musicalidade em canto e instrumentos se incorporam bem ao grupo. Regina protagoniza ainda boa cena quando assume a personagem Madalena. 

Mais uma vez, a riqueza de uma grande produção deixa sua marca. O figurino é belíssimo, o cenário é lindo e a iluminação cheia de bons efeitos. É uma tríade orgânica que trabalha para construir o ambiente onírico sugerido pelo texto que fala de fantasmas, magia e imaginação. O figurino distingue dois grupos: os moradores da Vila onde predomina o branco com muitos panos sobrepostos e adereçaria fantasmagórica; e a trupe de teatro que chega à Vila, onde os tons escuros de verde e preto recebem bordados de flores e arabescos coloridos de encher os olhos.

O espetáculo não é o melhor do grupo, mas essa não é uma questão. O que as milhares de pessoas ali presentes foram ver estava presente. É provável que não saíram surpreendidas com uma nova proposta de encenação, uma catarse causada pelo texto, ou um ator transfigurado em uma atuação maior do que as já conhecidas. Mas sim, levaram para casa um experiência transformadora, um verdadeiro encontro entre bons amigos!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

navalha na carne

Tensão para ser experimentada em boa montagem de Plínio Marcos

04 a 26 de Fevereiro (Exceto 11 e 12 de Fevereiro) - Espaço Cultural Oratório

Vez por outra um espetáculo banca a proposta de colocar a plateia em risco. Tirá-la do lugar comum e do conforto do palco italiano. Nos últimos anos foram raras as produções do teatro mineiro que se propuseram a essa escolha de fato arriscada, mas que, quando funciona, tem um papel importante de reacender no público a sensação de pertencimento, tirá-lo da função de espectador e lançá-lo na experiência de testemunha de uma peça de teatro. Felizmente a adaptação da Companhia Confesso para “Navalha na Carne” de Plínio Marcos alcança essa função.

Desde o início, desde a primeira situação, instaura-se um clima de tensão, ligado à violência física e verbal, que exige do público uma postura moral, uma resposta pessoal ao que vê. A marginalidade do texto de Plínio Marcos é assumida ao extremo e deslocada para os outros elementos da encenação. Assim, a escolha do espaço é determinante. A precariedade do Espaço Cultural Oratório Bar, um galpão improvisado como teatro, associado à fumaça e pouca luz, não só ilustra o quarto de hotel de “quinta classe” sugerido pelo texto, como abre a possibilidade para um bordel. Sem que isso seja dito diretamente, a plateia sabe que ao se sentar nas mesas de bar dispostas pelo espaço está aceitando a convenção de que é cliente desse bordel. Está em meio à sujeira e marginalidade, em um espaço apertado, sentado a mesas por entre as quais algumas das ações serão desenvolvidas.

Marcadas por boas atuações as personagens da prostituta Neusa Sueli (Clébia Vargas), do cafetão Vado (Alex Valle) e do homossexual Veludo (Guilherme Colina) são críveis no exagero. O texto é quase que o tempo inteiro gritado. Isso incomoda, mas acompanhamos porque compreendemos que a situação também é extrema. Optando pelo realismo quase cinematográfico, a direção, talvez estreante do ator Guilherme Colina, aproveita a disponibilidade de seus companheiros de cena para ser violenta. Os tapas e bofetões são reais. As ameaças, a água e a faca também. Em verdade, falta a Colina uma transição mais nítida do Veludo que apresenta em um primeiro momento, ainda sem traços de homossexualidade, para o gay agressivo que se transforma no momento seguinte. Um deslize que não compromete já que as duas construções são muito boas, assim como as de seus colegas de cena.

A intensidade das interpretações e a retirada de algumas gírias datadas do texto original, escrito em 1967, situam a ação dramática nos dias de hoje. Quando alguma palavra ou ato sexual é executado em cena, percebe-se na plateia uma reação diferente daquela observada quando os mesmos termos e atos são utilizados em várias das comédias com sucesso de público da Campanha de Popularização. A diferença se dá por que neste caso a sexualidade é deslocada para um contexto social denso e verossímil. A peça quando bem encenada ainda tem o poder de chocar. O riso nervoso é uma constante reação do público que vê seus valores sendo quebrados e precisa pensá-los, reorganizá-los, questioná-los e/ou reafirmá-los enquanto acompanham a história.

O espetáculo é uma boa estreia da Companhia Confesso de Teatro que traz à cena uma produção honesta, acerta na escolha do autor e consegue transformar certo exagero de interpretação em sua maior virtude cênica. 

sábado, 5 de janeiro de 2013

o teatro que o mineiro faz

A cidade transforma seu cotidiano durante a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança e o Verão Arte Contemporânea. Público, artistas, imprensa e poder público: vamos refletir sobre a nossa participação?


Durante o segundo semestre de 2012 escrevi comentários críticos de boa parte das estreias teatrais belo-horizontinas. Tenho conversado com algumas pessoas e estas têm me cobrado um balanço, uma opinião sobre o teatro mineiro como um todo. Bem, minha mais importante conclusão é que Belo Horizonte faz um ótimo teatro. Estéticas diversificadas são exploradas, formatos de criação e linguagem ousados saem da sala de ensaio para os palcos. No aspecto técnico respira-se um momento realmente importante. Há muitos bons atores, diretores, produtores, cenógrafos, iluminadores, etc. Há sem dúvida um profissionalismo, mesmo que as condições financeiras e mercadológicas não sejam as ideais, os artistas fazem peças cuidadosas e profissionalmente honestas.

Penso que na busca por exercer esse profissionalismo, colocando a ferramenta teatro a serviço do teatro em si, o artista mineiro parece, em comum acordo com a sociedade, se ausentar das problemáticas que são comuns a todos. Isso pode ser um movimento natural; para Max Horkbelmer “quanto mais intensa é a preocupação de um indivíduo com o poder sobre as coisas, mais as coisas o dominarão, mais lhe faltarão os traços individuais genuínos” (cf. Eclipse da Razão). Se alguém me perguntasse quais são as questões de muitos dos artistas de teatro de hoje, talvez eu não soubesse responder, apoiando-me apenas nos espetáculos a que assisti.

O que estou tentando dizer é que os aspectos técnicos e comerciais da arte parecem dominar o pensamento dos artistas. Talvez isso esteja acontecendo em todas as artes, não é algo exclusivo da cidade de Belo Horizonte e sim de todo o mundo ocidental; mas, como nesse momento estou cumprindo o papel de provocador do teatro, escrevo agora para os artistas do teatro mineiro. Gosto da definição de Roland Barthes, que afirma que “a crítica não é uma ‘homenagem’ à verdade do passado, ou à verdade do ‘outro’, ela é construção do inteligível de nosso tempo”. (cf. O que é a crítica).

Então me coloco em diálogo com os artistas para pensar um pouco sobre o cenário teatral de hoje. Penso honestamente que, em parte, falta ao nosso teatro o desejo de levar adiante a utopia de transformar a realidade. Percebo uma concordância com os modelos estabelecidos por nossa sociedade no ponto de vista do pensamento. Quais as razões?

Talvez fosse preciso que a arte e os artistas se capacitassem intelectualmente do ponto de vista da ousadia tanto quanto já se capacitaram técnica e comercialmente? Como disse, felicito o teatro mineiro por sua manipulação dos recursos técnicos para a atuação e demais elementos de encenação. Em minha opinião nosso teatro já goza de alto nível de profissionalização, mesmo comparado ao principal polo do teatro brasileiro que é a cidade de São Paulo, e outras com cena teatral desenvolvida, como Porto Alegre, Curitiba e Rio de Janeiro. Mas, como em boa parte de outras áreas da sociedade, o teatro mineiro aceitou o modelo capitalista como forma de despolitização que no Brasil está ainda mais associada à liberdade e emancipação política pós-ditadura militar. A maior parte do teatro mineiro parece viver hoje em concordância com o estabelecido, vive feliz e de certa forma alienado, deixando para o poder público pensar e resolver as questões humanas, sociais e políticas, desde que, de algum modo, financiem sua arte. Não se pode negar que há quem reclame por políticas públicas, mas no fundo esses artistas estão clamando por mais dinheiro para seus próprios projetos. É um tema importante, mas não é o único.

O que acredito é que estilo e conteúdo são inseparáveis e, em seu amálgama, precisam favorecer a transformação de informações em conhecimento.

DESPOLITIZAÇÃO
“O sono da razão gera monstros”
Título de um quadro do pintor espanhol Francisco Goya

Podem-se dizer muitas coisas. Que o teatro é uma arte que nasceu do ritual. Que as artes cênicas são um acontecimento, que têm o diferencial de retirar as pessoas de suas casas e tê-las em sua presença e participação como testemunhas de um acontecimento vivo, espetacular. Se pararmos por aqui já teríamos recursos de sobra para afirmar que o teatro é essencialmente político porque conta com a presença da plateia, do público, é uma reunião de pessoas.

Por que então, à exceção do momento festivo que vivemos nos meses de janeiro e fevereiro, as pessoas não vão ao teatro? Por que o teatro se tornou puro entretenimento? Sinto que o engajamento da arte com as questões históricas que estão se construindo hoje é a maneira mais arriscada, e a única importante, de conectar a arte ao mundo – de torná-la viva e imprescindível. O resto são apenas acontecimentos comuns. No geral, as peças estreadas em Belo Horizonte são acontecimentos comuns porque não carregam, ou não vão a fundo, nas problemáticas que vão além da linguagem. No teatro a despolitização é principalmente uma questão de não apontar através da obra alguma crítica à realidade. O caso é que as obras que não fazem nenhuma provocação no ponto de vista do pensamento são vazias.

No teatro mineiro vejo obras, e não estou falando apenas de comédias, fortemente marcadas por uma necessidade de agradar. Não acredito que a função da arte seja agradar. Claro que ninguém quer fazer uma peça para que não seja assistida. Brecht disse que antes de tudo o “teatro deve ser divertimento”, e esse é um ótimo conselho. Mas se olharmos para o teatro que ele fez e que até hoje é contundente, vamos observar que sua diversão era refletir sobre o ser humano e seu tempo; dava ao seu teatro uma função antropológica e social cuja utilidade era colocar em debate problemas comuns às pessoas que iriam assisti-lo.

Infelizmente percebo que a despolitização mora na raiz da sociedade brasileira contemporânea, é um problema social, mas, como artistas, as pessoas de teatro não podem aceitar isso passivamente. Por exemplo, não podem fazer a sua arte para qualquer público, para alcançar o maior número de pessoas possível. Economicamente é uma ideia sedutora, mas politicamente é um fiasco. Se a plateia está no cerne das artes cênicas, pensar nela é um dever dos artistas de teatro, é preciso saber o que está dizendo e para quem. Fazendo isso, a chance de elaborar algo importante é maior e, consequentemente, o público também será maior. Por outro lado, é preciso dar uma opinião sem ser unilateral, levar um assunto para debater, para que o público possa começar a elaborar respostas no momento em que as questões se colocam no palco e depois as levar para casa ou para uma reunião de amigos. Os espectadores devem sentir que aquilo que lhes foi dito pelo teatro, muitas vezes de forma abstrata ou metafórica, é uma problemática do seu mundo, algo que, como cidadão, tem o dever de responder para si mesmo, mas principalmente responder coletivamente, porque é uma questão coletiva.

É importante e um ideal social que após o contato com uma obra de arte o público vá para casa, para a escola, ou para a igreja portando perguntas. Embora o modo de vida instaurado diga que não temos muitas questões coletivas, elas existem e precisam ser refletidas. Devemos pensar sobre a sobrevivência do planeta; a desigualdade social; a necessidade de afeto e, a partir dela, a criação de uma visão coletiva da sociedade; a angústia da vida em um modelo individualista; a queda da moral e os contrastes da evolução humana; a esfera da morte e o sentido de existência; a formação cultural e intelectual das nossas crianças; enfim... questões que tornam o teatro uma arte política e humanista.

TEATRO: UMA ARTE HUMANISTA

É preciso reconhecer que o ser humano é o elemento indispensável para se fazer teatro. A relação entre ator e alguém que o assista, que só as artes cênicas têm em detrimento às outras artes, historicamente outorgou-lhe um apelo humanista que prega o reconhecimento da integridade do ser humano e sua capacidade de viver no mundo transformando-o. Historicamente o teatro se colocou como uma arte transformadora. No mundo todo, em todas as épocas da era moderna, é principalmente através da arte que o homem exerce sua inserção social, temporal e espacial na sociedade.

Em passado recente da cidade de Belo Horizonte, o papel político exercido pelo grupo “Teatro Experimental” e o “Grupo Trans-forma” de dança dividiram a responsabilidade com outros grupos de fora do estado em construir a noção do ser artístico brasileiro. São as perspectivas dispostas pela arte que, embora paradoxais, traduzem com profunda sensibilidade a dimensão complexa do homem como ser histórico. Harold Bloom diz que Shakespeare “inventou o humano” com suas peças de teatro. Fez isso porque ofereceu ao homem a possibilidade de enxergar através da arte facetas de sua personalidade até então desconhecidas. Da mesma forma, sem a arte não conheceríamos quase nada da cultura grega. Sem a arte não disporíamos de nenhuma sugestão do modo de vida de sociedades primitivas. É através das artes que temos contato com costumes e anseios do homem do renascimento.

Como uma atividade essencialmente humanista inserida na sociedade, o teatro deve negar a superioridade da vida contemplativa sobre a vida ativa, valorizar e reconhecer a efetividade da liberdade humana como sujeito construtor da história em sua dimensão social.


A MÍDIA, OS EDITAIS E/OU O PÚBLICO

O que ocorre atualmente é que os meios de comunicação de massa encontram pouca ou nenhuma dificuldade em fazer aceitar interesses particulares como sendo de todos os “homens sensatos”. Boa parte das estreias teatrais belo-horizontinas não foram devidamente repercutidas pela imprensa local que prefere dar foco ao que não é mineiro. Na televisão, que é ainda o meio mais influente, o teatro mineiro é quase que completamente ignorado. A TV Alterosa divulga as peças que estão em cartaz em seu teatro, mas ainda ignora o restante da programação local. Como ignorar a cultura produzida aqui, para as pessoas daqui? Penso que é um dever a ser cobrado por todos, público, artistas e principalmente os governos municipal e estadual. O mesmo acontece com todas as nossas artes, excetuando-se aquelas que de alguma maneira receberam notoriedade na impressa fora dos limites do estado.

Então, uma arte como o teatro que poderia ser participativa e se prestar à função de produção do pensamento de uma cidade, uma ferramenta da cidadania, está encerrada em inevitável ostracismo ideológico. Isso porque o teatro vai sempre refletir as necessidades políticas da sociedade que, grosso modo, se tornaram necessidades e aspirações individuais; sua satisfação promove os negócios e a comunidade, tudo parecendo constituir a própria personificação da razão, mas no fundo diminuindo o poder de mobilização em torno das questões sociais. Diante da degradação cultural do nosso tempo, onde a principal característica talvez seja a passividade com que assistimos o desmoronamento das entidades sociais, estaria o teatro mineiro conivente com o desmoronamento de si mesmo?

A participação do estado busca se ausentar das responsabilidades, está ligada ao formato de lei de incentivo “captação” que pode ser visto como uma espécie de manipulação totalitária, pois segundo Marcuse “o totalitarismo não é apenas a coordenação política terrorista da sociedade, mas também uma coordenação técnica econômica não terrorista que opera através de manipulação das necessidades pelo capital investido.” (cf. Ideologia da Sociedade Industrial). Sujeito à aprovação da maioria, pautado na cartilha do que é amplamente aceito, os departamentos responsáveis dentro das empresas vão financiar projetos que cumpram as “necessidades pelo capital investido”. Ou seja, retorno de mídia na afirmação das similaridades, reforçando o que já é sucesso.

O problema é que a vitalidade na arte é um resultado de articulação, energia e diferenciação. Toda grande arte é diferenciada. Por outro lado, a consciência de que as coisas ao nosso redor diferem entre si toca a origem dos nossos medos. Se por um lado, como espectador, me sinto mais confortável em perceber similaridades com o meu modo de pensar, por outro, entendo que os artistas devem aceitar o medo das diferenças a fim de criar uma arte vital. O público que assiste uma arte diferenciada será provocado, terá medo e vai gerar oposição. Essa oposição gera prazer intelectual, gera reflexão e pensamento crítico, toca em questões políticas e morais, toca em questões psicológicas inconscientes. Nesses estágios estão a importância da arte e do teatro, é onde ele colabora com a formação da cultura de um povo, contribuindo positivamente no estabelecimento de uma identidade belo-horizontina.

Enquanto briga pela aprovação nos editais e captação nas empresas, o teatro parece não perceber que há algo de errado na relação com seu financiador mais precioso: o público. Já ouvi alguns artistas amigos meus afirmando que se houvesse tanto público quanto há na campanha durante o resto do ano, muitos artistas mineiros viveriam exclusivamente da sua arte. Enquanto na campanha a plateia se dirige em massa para os teatros, buscando diversão e entretenimento, durante todo o ano, apesar de um cenário profissional, diversificado e bem feito, as plateias estão vazias. Uma das consequências é que poucos produtores se arriscam em uma temporada um pouco mais longa. Esse ano muitas estreias tiveram o número restrito entre uma e quatro apresentações. Por quê?

TEATRO TRANSFORMADOR

Como os artistas de teatro em Belo Horizonte responderiam a pergunta retórica: como a arte pode mudar o mundo hoje?

Falando de um passado recente e sua participação no teatro de Belo Horizonte na década de 70, Pedro Paulo Cava disse o seguinte em entrevista à Glória Reis:

“Fazíamos uma arte engajada. Tenho saudades desta época, desta Belo Horizonte pequena, mas instigante, em que os artistas tinham furor de aprender, de discutir, de mobilizar-se. Numa mesma mesa de bar reunia-se um universo eclético, variadíssimo, de pessoas discutindo a cidade, a vida, os rumos, querendo transformar o Brasil, não só através da arte, mas de sua ação nas várias profissões. O teatro estava em função daquilo que acredito ser o seu papel: agente transformador de uma realidade social”. (Cf. Cidade e Palco).

Hoje tenho medo de que as respostas colocadas no palco para responder a essa pergunta, no fundo, passem todas por questões de linguagem e forma. À primeira vista não deve haver nenhum mal nisso; o cuidado a ser tomado é que, longe de emancipar o posicionamento político, o teatro desprovido de questões políticas, no sentido laico do termo, corre o risco de criar uma arte sem consciência, vazia e estéril, uma vez que despreza sua destinação humanista.

O uso ilimitado da liberdade criadora é uma realidade do teatro mineiro e talvez de várias partes do mundo. Mas isso não pode ser motivo de acomodação. O que de certa forma parece estar faltando é aceitar a visão da arte como geradora de autoconhecimento e integração social, retomar o conceito de arte coletiva em que artistas e público sejam igualmente importantes para o processo civilizatório.

Não compete a uma obra de arte dizer se ela é boa; nem se é preciosa; nem se comparar a outras expressões. A arte ou os artistas não têm de acreditar em si mesmos nem no seu trabalho. Têm de se manter abertos e diretamente conscientes dos impulsos que motivam a si mesmos e, por conseguinte, a sociedade em que vivem.

Acho que estamos no caminho certo, já temos um excelente arsenal artístico. O que o teatro precisa é manter sua própria expressão clara e direta, manter aberto o canal para perceber-se parte do mundo que está ajudando a construir. 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

argonautas de um mundo só

Tecnologia e formalismo em reflexão sobre o mundo midiático

04 a 13 de Janeiro - Sala Multiuso Sesc Palladium
6 a 16 de Dezembro - Spetáculo Casa de Artes

No vídeo projetado na porta de entrada do teatro o grupo de atores nos sugere aquilo que pode ser o mote do espetáculo: é possível estabelecer relações humanas verdadeiras através do distanciamento de uma mediação técnica? Intrínseca, essa pergunta perpassa o espetáculo através de quatro personagens que vão figurar em mundos particulares. Apesar de dividirem o mesmo palco, estão em espaços cênicos diferentes e não vão se olhar nos olhos; vão buscar se relacionar através de celulares, computadores, câmeras e projeções ao vivo.

Apesar de certo formalismo na concepção das cenas a proposta é instigante. Em dramaturgia não linear pautada nas possíveis relações inerentes dos dispositivos tecnológicos, o espetáculo alcança o público pela empatia dos personagens que, perdidos e solitários, por vezes acabam se tornando risíveis. Como acontece, por exemplo, na divertida cena em que Alexandre Vasconcelos se atrapalha enquanto prepara uma simples vitamina de banana, seguindo à risca um livro de receitas. No geral os atores imersos na proposta vão fundo na busca de revelar a massificação e alienação dos personagens.

Priscilla D’Agostini chama atenção pela entrega, protagonizando cenas difíceis como o bom momento em que dubla uma projeção de si mesma, revelando nova faceta da personagem. Bem disposto Glauco Mattos sobressai em movimentos precisos, aplicando desenvoltura corpórea na execução das ações. No bom elenco o destaque é Fafá Fernandes que tem maior presença e domínio de texto, dando organicidade à encenação midiática. Atriz versátil e sem preconceitos, ganha na experiência diária porque sabe transitar em produções dos mais variados gêneros, construindo e se formando nos palcos, uma atitude que serve de exemplo a ser seguido por muitos de seus colegas de classe. 

Na visível experimentação que o espetáculo submerge, fica a vontade de ver melhor explorado alguns recursos interessantes, como a projeção no corpo dos atores, cujas fotos do programa da peça sugerem ter alcançado caminhos ainda mais belos e curiosos. As soluções para mudança de cena que propõe movimentação dos atores, luz baixa com efeitos de gobo (que vem acompanhando as últimas criações de Felipe Cosse) e a cenografia sendo arrastada de um lado para o outro apontam o desejo da direção de Júlio Viana em instaurar uma atmosfera contemporânea. Infelizmente o recurso não se sustenta e acaba fazendo coro ao formalismo já mencionando que nesse momento já se aproxima de ficar um pouco chato e repetitivo.

O título da peça remete aos tripulantes da nau Argo de Jasão, aqueles que viveram muitas aventuras e conheceram muitos mundos em busca do carneiro de ouro. Procurando alguma significação mais elaborada, penso que os personagens de “Argonautas de Um Mundo Só” navegam pela world wide web e, ainda que compartilhem da promessa de grandes aventuras virtualizadas, mantêm-se presos ao seu mundo físico.

A parafernália em cena e a concepção de cenas esteticamente midiatizadas podem chegar ao espectador com certo distanciamento; um teatro muito cerebral a princípio, mas que se desenvolve, e no terço final do espetáculo consegue virar a chave e dar sua mensagem com soluções mais simples diante da referência apresentada no começo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

eu não sou cachorro não

Musical brega traz a marca do diretor Fernando Bustamante em boa produção

02 de Março - Grande Teatro SESC Palladium
02 a 25 de Novembro – Teatro Dom Silvério

Empreendedorismo é uma palavra que pode ser associada ao diretor Fernando Bustamante. Nos últimos anos vem se dedicando à profissionalização do teatro musical em Belo Horizonte, sempre trazendo aos palcos boas produções ligadas ao gênero. Alguns dos espetáculos que montou foram reconhecidos e premiados, além de conquistar sem reservas grande parte do público de teatro infantil. Dentre eles estão “A Pequena Sereia”, em versão estendida e pocket, “Lampiãozinho e Maria Bonitinha” e “A Arca de Vinícius”.

Os primeiros minutos de “Eu não sou cachorro não” dão vestígios de que tal empreendedorismo nos levará, mais uma vez, para ótimos caminhos. Com recursos próprios o diretor realiza uma superprodução, aplicando visível esforço em um cenário grande, correto figurino, iluminação sofisticada e, somando atores e bailarinos, contabiliza mais de quinze pessoas em cena. Entre eles Tania Alves, uma atriz de projeção nacional, que distante dos palcos mineiros há muitos anos reaparece cantando e atuando com um personagem denominado “o furacão de Buenos Aires”.

A peça aposta no bom argumento de Leo Mendonza que se propõe a costurar a dramaturgia em cima de músicas bregas de compositores brasileiros, como Waldick Soriano, Agnaldo Timóteo e Wando. Pena que o texto não acompanha o argumento e a trama é simplória, assumindo a clara função de apenas servir de escada para as canções, onde se percebe a preocupação da equipe em priorizar a musicalidade em detrimento do teatro.

E é esse o maior deslize do espetáculo. O que não é bom e desvaloriza a montagem é o teatro em si. Focado em fazer os atores cantar bem, o espetáculo peca na construção dos personagens, na ação e reação, naquilo que deve ser o elemento chave de qualquer teatro, seja ele musical ou não: o jogo. Nessa toada o jovem protagonista canta muito bem, mas como intérprete não está à altura da produção e é com certeza um dos mais fracos em cena. Tania Alves tem bons momentos, mas parece perder força na escolha da personagem argentina que não alcança o tom e potência do “furacão” sugerido pelo texto. Seu partner, Leo Mendonza, parece colar uma máscara enrugada no rosto para expressar os mais variados sentimentos. Com a mesma expressão piedosa busca dizer tanto que ama quanto que sofre ou lamenta a perda de sua amada.

O destaque do elenco principal é a atriz Jai Baptista, que consegue cantar bem e ainda se fazer crer, conquistando a simpatia do público que tem diante de si um elenco tão irregular. No geral as coadjuvantes femininas estão mais seguras e à vontade que os masculinos, também marcados por más interpretações. Tamanha a dificuldade em atuação que muitas vezes os bailarinos e bailarinas que participam sem fala de determinadas cenas manipulam maior poder de convencimento que os ditos atores.

Ainda assim, com bom desenho de cena associado à concepção coreográfica e forte encenação, o espetáculo atinge a catarse através das canções bregas que permeiam o imaginário da plateia. Um elemento da ficha técnica que merece ser citado é a iluminação que sabe aproveitar o cenário para valorizar planos e construir atmosferas.

Fernando Bustamante parece ter percebido que os atores mineiros não têm a devida formação para o estilo musical e, para solucionar este problema, foi pioneiro em criar uma escola para tal fim, o CAMA – Centro de Atividades Musicais e Artísticas. A iniciativa que deve ser reconhecida e reverenciada poderia servir como um ponto de equilíbrio para as produções do diretor, formando mais atores que saibam cantar do que cantores que não sabem atuar.