Oficinão comemora 15 anos com boa montagem
O que faz de Deliro & Vertigem uma das melhores peças do teatro mineiro no ano de 2012 não tem a ver com o bom texto, a ótima direção, uma produção eficiente e a roupagem moderna que o resultado final atinge. Sim, a peça é muito bem produzida, tem todas essas qualidades, mas o que tem de melhor não é nada disso, nada teria força não fosse a entrega e adesão dos atores à proposta da direção.
Trata-se daquilo que vez por outra alguém afirma categoricamente, todos no geral sabem, mas é tão difícil presenciar: o “encontro”. Muitas vezes bons atores trabalham com bons diretores em montagens com equipe técnica consagrada e, ainda assim, o resultado não é bom. O “encontro” não acontece sempre porque, por via de regra, não depende daquilo que o artista manipula, é resultado de circunstâncias que fogem de um planejamento objetivo.
Dito isto, só podemos falar dos outros elementos, as escolhas objetivas do processo de criação. Para começar, podemos dizer que a encenação é bonita e bem acabada. Ao entrar no teatro nos deparamos com um cenário cuja estética dialoga muito com outros espetáculos dirigidos por Rita Clemente. O cenário simples que de imediato traz a sensação de limpeza e bom gosto, associado à iluminação sofisticada, que por vezes se integra ao cenário para empregar bem os efeitos que propõe, servem para criar um território atemporal que não determina nenhuma localização, onde as histórias variadas da dramaturgia possam encaixar-se sem causar estranhamento.
O espetáculo começa e é muito difícil não grudar os olhos na figura apresentada por Débora Borges. Atriz espirituosa, jovem e carismática, cumpre a difícil tarefa de tornar orgânico o figurino que porta, tão belo que encherá os olhos de muitos amantes das artes e da moda. A figura que compõe, apresentada nos primeiros instantes, perdura na cabeça do espectador no restante da peça. A curta história que protagoniza poderia estar na coletânea de contos “A vida como ela é”, de Nelson Rodrigues, mas é um texto inédito de Jô Bilac, autor contemporâneo que com a Cia. Teatro Independente do Rio de Janeiro, nos textos dos espetáculos “Cachorro” e “Rebu”, já flertava com a atmosfera do absurdo e fantástico, reascendendo temas que poderiam ser de Nelson.
A exemplo da primeira, as outras histórias, também escritas por Jô Bilac, se aproximam do universo rodrigueano e apresentam situações extremas quase sempre com final trágico. Uma a uma elas vão sendo contaminadas por um simples passar, ou um mero ficar em cena, de personagens que não fazem parte da estória que assistimos agora, mas que ainda serão apresentados na próxima ou estiveram na última. Mérito da direção que, como um maestro, manipula a cena, orquestrando cada nota emitida pelo ator que entra e sai no tempo certo, variando os tons e semitons, com uma simplicidade que só se consegue com longos ensaios. São muitas histórias, oito só na primeira parte denominada “Delírio”, e esse jogo do contaminar vai ganhando cada vez mais força para dar unidade ao espetáculo.
No geral o elenco jovem se mostra seguro e bem dirigido durante todas as cenas. Talvez algum deslize nas nuances do texto, compreensível pela ausência de bagagem e pouca idade. Dentre os muitos atores destacam-se, além de Débora Borges já citada, Márcio Monteiro que tem bom domínio de texto e constrói personagens convincentes, transitando bem entre tragédia e comédia, e Raquel Castro que se aproveita do veio cômico que lhe é peculiar e da maior experiência que tem para protagonizar as melhores cenas do espetáculo.
Apesar da força e potência das estórias, são problemas da peça as resoluções muito rápidas com que acontecem os conflitos colocados. Em alguns casos não dá tempo de nos envolvermos com o enredo e a imediata resolução acaba tornando superficial nossa absorção. Outro ponto é que muitas vezes os personagens apresentados são tão intrigantes que gostaríamos de vê-los desenvolvidos, saber mais sobre eles e suas questões.
O que parece ser sempre uma questão dos espetáculos resultantes de um curso de formação que nasceu com a ideia de reciclagem de atores profissionais, como é o caso do Oficinão do Galpão Cine Horto, é difícil diante de um elenco numeroso encontrar textos que ofereçam oportunidades instigantes a todos os atores. Neste caso a escolha das cenas resolve essa questão em detrimento dos prejuízos já apontados. Outra escolha que parece corresponder a um processo com grande número de atores é a repetição de algumas cenas, dando-lhes nova leitura. O recurso se mostra frágil e desnecessário se comparado a outras escolhas tão acertadas da produção.
Ainda assim, o Oficinão comemora 15 anos com boa montagem que figura entre as melhores estreias do ano e, acredito, deve ter o status dos espetáculos que só podemos presenciar de vez em quando, quando o “encontro” acontece.
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