quinta-feira, 15 de novembro de 2012

na comédia de edgar, alan põe o bico

Força de interpretação é diferencial da Cia P’Atuá

1 a 4 de Novembro - Galpão Cine Horto

Em “Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” da Cia P’Atuá podemos identificar duas peças em uma. Uma delas é inspirada no conto “O Corvo” de Edgar Alan Poe onde texto, encenação e interpretação, mais elaborados, concentram a maior força de produção e duração cênica; a outra um pocket show de extrema simplicidade onde os personagens dos repentistas Zé Prenúncio e Mal Agouro fazem paródia de três músicas da dupla caipira Alvarenga e Ranchinho para apresentar ao público o Prólogo, Entreato e Epílogo, fazendo as vezes do coro da tragédia que está sendo contada.

Tamanho o entrosamento e despojo da dupla que, curiosamente e apesar da simplicidade de produção que passa pelo figurino, luz e objetos, as intervenções dos repentistas são melhores que a peça em si, e as cenas que protagonizam mais envolventes que o restante da peça. São nessas intervenções que Glicério do Rosário e Cláudio Márcio podem, de cara limpa, fazer uso maior do carisma e veio cômico que têm, compartilhando com a plateia o prazer de estar em cena. Glicério é melhor e mais completo; além de cantar e tocar bem, manipula o ritmo como senhor da cena. Cláudio Márcio ganha na atitude clownesca do augusto que se diverte com as próprias falhas. Cecília Meireles disse certa vez que a “simplicidade só se consegue através de muito trabalho”. Esta é a sensação que estes dois repentistas trazem se pensarmos neles de forma distanciada. Compor as paródias, gravá-las em estúdio, vender CD na porta e esbanjar entrosamento cênico não é tarefa simples e sim resultado de muito trabalho.

Na interface cênica criada a partir do conto “O Corvo”, o texto é mais elaborado e a encenação mais inteira, Cláudio Márcio, no papel do corvo Alan, é mais espirituoso e alcança o público pela comicidade e irreverência do personagem que constrói.  Glicério mantém boa energia, mas se ressente da dificuldade trágica do protagonista. Trata-se do escritor Edgar Alan Poe, ou apenas Edgar, como sugere a adaptação, que diante da falta de dinheiro tem de escrever uma comédia em vez da sua especialidade que é a tragédia. A trama se desenvolve de forma leve, por vezes engraçada, com o corvo ajudando Edgar a tecer o texto de sua primeira comédia e, como no conto, terminar em final trágico.

A encenação é bem feita e traz um figurino fantástico com traços impressionistas, destacando-se a elegância animalesca do corvo Alan. O cenário é mais realista, mas a utilização dada pelos atores o torna inventivo. A iluminação de Felipe Cosse e Juliano Coelho começa cheia de desenhos e efeitos, dando a impressão de que terá a mesma inspiração alcançada em estreia recente de “Ode Marítima”, mas no decorrer da peça dá licença para os atores serem os protagonistas, afinal a companhia é p’atuá.

É pena que a peça perca naquilo que tem de melhor. A força e comicidade dos repentistas elevam a energia do teatro a um patamar que a peça em si não consegue alcançar. Além disso, as soluções musicais utilizadas para que os atores possam trocar de figurino, passando de Edgar e Alan para Zé Prenúncio e Mal Agouro, não têm força dramática para preencher a cena, deixando claro para a plateia que se trata de uma mera transição. Outro problema é que essas passagens evidenciam a dificuldade técnica com os instrumentos que, por vezes, são dublados e o ator apenas finge estar tocando.

Ainda assim, com dramaturgia trabalhosa, direção coerente e indiscutível força de interpretação “Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” é mais uma boa estreia do teatro mineiro, cuja honestidade e compromisso com o trabalho de ator valem o ingresso.

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