1 a 4 de Novembro - Galpão Cine Horto
Em
“Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” da Cia P’Atuá podemos identificar duas
peças em uma. Uma delas é inspirada no conto “O Corvo” de Edgar Alan Poe onde
texto, encenação e interpretação, mais elaborados, concentram a maior força de
produção e duração cênica; a outra um pocket
show de extrema simplicidade onde os personagens dos repentistas Zé
Prenúncio e Mal Agouro fazem paródia de três músicas da dupla caipira Alvarenga
e Ranchinho para apresentar ao público o Prólogo, Entreato e Epílogo, fazendo
as vezes do coro da tragédia que está sendo contada.
Tamanho
o entrosamento e despojo da dupla que, curiosamente e apesar da simplicidade de
produção que passa pelo figurino, luz e objetos, as intervenções dos repentistas
são melhores que a peça em si, e as cenas que protagonizam mais envolventes que
o restante da peça. São nessas intervenções que Glicério do Rosário e Cláudio
Márcio podem, de cara limpa, fazer uso maior do carisma e veio cômico que têm, compartilhando
com a plateia o prazer de estar em cena. Glicério é melhor e mais completo; além de
cantar e tocar bem, manipula o ritmo como senhor da cena. Cláudio Márcio ganha
na atitude clownesca do augusto que
se diverte com as próprias falhas. Cecília Meireles disse certa vez que a
“simplicidade só se consegue através de muito trabalho”. Esta é a sensação que
estes dois repentistas trazem se pensarmos neles de forma distanciada. Compor as
paródias, gravá-las em estúdio, vender CD na porta e esbanjar entrosamento
cênico não é tarefa simples e sim resultado de muito trabalho.
Na
interface cênica criada a partir do conto “O Corvo”, o texto é mais elaborado e
a encenação mais inteira, Cláudio Márcio, no papel do corvo Alan, é mais
espirituoso e alcança o público pela comicidade e irreverência do personagem
que constrói. Glicério mantém boa
energia, mas se ressente da dificuldade trágica do protagonista. Trata-se do
escritor Edgar Alan Poe, ou apenas Edgar, como sugere a adaptação, que diante da
falta de dinheiro tem de escrever uma comédia em vez da sua especialidade que é
a tragédia. A trama se desenvolve de forma leve, por vezes engraçada, com o
corvo ajudando Edgar a tecer o texto de sua primeira comédia e, como no conto,
terminar em final trágico.
A
encenação é bem feita e traz um figurino fantástico com traços impressionistas,
destacando-se a elegância animalesca do corvo Alan. O cenário é mais realista,
mas a utilização dada pelos atores o torna inventivo. A iluminação de Felipe
Cosse e Juliano Coelho começa cheia de desenhos e efeitos, dando a impressão de
que terá a mesma inspiração alcançada em estreia recente de “Ode Marítima”, mas
no decorrer da peça dá licença para os atores serem os protagonistas, afinal a
companhia é p’atuá.
É
pena que a peça perca naquilo que tem de melhor. A força e comicidade dos
repentistas elevam a energia do teatro a um patamar que a peça em si não consegue alcançar. Além disso, as soluções musicais utilizadas para que os
atores possam trocar de figurino, passando de Edgar e Alan para Zé Prenúncio e
Mal Agouro, não têm força dramática para preencher a cena, deixando claro para
a plateia que se trata de uma mera transição. Outro problema é que essas
passagens evidenciam a dificuldade técnica com os instrumentos que, por vezes,
são dublados e o ator apenas finge estar tocando.
Ainda
assim, com dramaturgia trabalhosa, direção coerente e indiscutível força de
interpretação “Na comédia de Edgar, Alan Põe o bico” é mais uma boa estreia do
teatro mineiro, cuja honestidade e compromisso com o trabalho de ator valem o ingresso.
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