quarta-feira, 24 de outubro de 2012

adultérios e outras pequenas traições

Incursão da Cia da Farsa em comédia mais escrachada é bem-vinda

16 a 19 de Agosto - SESC Palladium
9 a 25 de Novembro - Teatro Assembléia

Piada sobre sexo e homossexualidade é receita fácil da comédia mineira. Ano a ano os mais altos índices de público se repetem para produções do gênero. Com trajetória diferente até hoje, a Cia da Farsa de Teatro se relacionou de forma bem-sucedida com a comédia de costumes. Fazendo a sua leitura dos textos clássicos de Ariano Suassuna, “A farsa da boa preguiça”, que deu origem ao nome do grupo, e “Auto da compadecida”, obteve seus maiores êxitos.

Desta vez o grupo se propôs à montagem do texto “Adultérios e outras pequenas traições”, do mineiro Sérgio Abritta, que também assina a direção. As escolhas se afastam da comédia de costumes para lançar mão da tal receita – sexo e homossexualidade; e o resultado é uma peça divertida que cumpre a função de fazer rir, com o diferencial de que os atores se apoiam em tipos contemporâneos que poderiam até figurar em uma montagem farsesca, se aproveitando da bagagem do grupo.

O texto é formado por quadros fragmentados para intercalar as estórias de adultérios e traições. Um recurso proposto quebra a quarta parede e leva os atores a falar diretamente com a plateia. Fazem-se, às vezes, de dicionário e dão significado a palavras relacionadas como fornicação e adultério. A ideia é dar amarração ao texto, mas pelo alto preço de perder a força do jogo cênico alcançado pelas histórias contadas dramaticamente.

Entre os elementos da encenação o destaque fica para o figurino que lança mão de grande produção para compor um visual de época, talvez situado nos anos 1920, e seus característicos vestidos de bolinha. O senão é que por vezes a cena coloca no palco tecidos com muito brilho que, somados à grande incidência de luz, se aproximam dos limites de certo mau gosto. Outro fator que causa estranhamento é que a iluminação e o cenário não acompanham o figurino na busca por localizar a encenação na referida época. 

Curiosamente o ponto alto da peça está no prólogo onde a direção consegue dar uma rasteira no público, fazendo uso de uma atuação não-farsesca e tipológica. No geral Abritta se mostra melhor dramaturgo que diretor, à medida que não consegue que os atores pincem as nuances do texto que escreveu. Como infelizmente é recorrente desse tipo de produção, falta cuidado e trabalho de ator para fazer rir sem precisar ser exagerado. Cena curiosa que pode até causar certo desconforto no público acontece quando um personagem está de quatro, com uma roupa sadomasoquista de sexshop, e implora a amante para lhe introduzir um enorme vibrador, enquanto ela nega, porque quer que ele atenda uma ligação de sua mulher. A situação engraçada que poderia ser hilariante perde quando o ator faz “joguinho” de “ah, por favor” e não grita, não exige, não se mostra homem, o que tornaria o personagem mais humano e crível. 

Assim, apesar da bagagem farsesca e bom aproveitamento dos atores, a sensação é a de que poderiam estar mais a vontade, se esbaldando da temática, brincando mais com as palavras e situações sexualizadas.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

dois sóis: lugar algum

Remanescente do Grupo Intervalo (do falecido Ítalo Mudado) a Cia do Silêncio já nasce madura
14 de Fevereiro a 01 de Março - Teatro Júlio Mackenzie SESC Palladium
28 de Setembro a 07 de Outubro - Teatro Sesi-Holcim
12 a 21 de Outubro - Teatro Júlio Makenzie

Ao longo de mais de 25 anos o Grupo Intervalo, comandado por Ítalo Mudado, realizou cerca de 40 peças das quais, boa parte delas, com a participação, entre muitos outros atores, de Marcel Luiz, Marco Túlio Zerlotini e Pauline Braga. Com a morte do mestre os atores se dispuseram a dar continuidade ao trabalho, mas criando um novo grupo, a Cia do Silêncio.

A primeira incursão da nova trupe sem Ítalo é “Dois Sóis: Lugar Algum”, onde os atores, além de atuar, desenvolvem quase todas as outras funções necessárias para se realizar uma peça: texto, direção, iluminação, cenário e figurino. O destaque é o bom texto escrito por Marco Túlio Zerlotini, cuja temática, enraizada no choque de valores com final surpreendente, parece corresponder com o já clássico Agreste, do badalado Newton Moreno.  O triângulo amoroso vivido entre dois irmãos e uma mulher madura tem força dramática para capturar a atenção do público. Um dos recursos bem empregado são as elipses temporais que a estrutura textual sugere como na edição de um filme, localizando a passagem do tempo através do cabeçalho de uma claquete cinematográfica dita pelos atores: “cena 4, tomada 1”, por exemplo.

A integração do grupo é perceptível de tal forma que o cenário de bambu recortado, realizado por Luiz, abriga parte da iluminação, feita por Zerlotini. Juntos, cenário e iluminação, compõem uma encenação coerente com o texto ambientado na zona rural. As garrafas de cachaça, que poderiam ser de leite, são ainda mais funcionais à medida que assumem novos significados durante a apresentação. De acordo com sua utilização sugerem ação física aos atores, deixando a impressão de que poderiam ser até mais exploradas.

A direção de Marcel Luiz, que também divide a cena com Marco Túlio e Pauline, peca no ritmo e manipulação da energia. Permitindo que os atores circunscrevam um registro vocal muito próximo, situando pausas e respiração com a mesma pulsação, acaba por “chapar” as interpretações. A energia física individual de cada ator, que busca apoio no imaginário de figuras interioranas, alcança também quase o mesmo peso, onde poderiam variar entre força e suavidade; acaba por igualar-se em uma tensão contida prestes a explodir e, quando explode, também parece não atingir o clímax surpreendente que o texto sugere tão bem.

Com “Dois Sóis: Lugar Algum” a Cia. do Silêncio faz sua estreia, trazendo à cena a rica bagagem do Grupo Intervalo. Uma bela homenagem, à altura de Ítalo Mudado, o homem de teatro, com 65 anos de carreira, cujo trabalho e pensamento são um legado – direto ou indireto – a todos aqueles que hoje fazem teatro em Belo Horizonte.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

coisas invisíveis

Remontagem do texto de Gustavo Naves Franco por Anderson Aníbal tem atores convidados e retoma minimalismo sem trazer novidades


5 a 14 de Outubro - Teatro João Ceschiatti


Comemorando 10 anos de existência, a Cia Clara de Teatro remonta um de seus espetáculos de maior êxito e importância. “Coisas Invisíveis”, com direção de Anderson Aníbal, parece ter dado origem a um tipo de teatro poético e minimalista que até hoje influencia vários grupos na capital mineira, entre eles, o reconhecido Espanca!, cujos atores, Grace Passô, Marcelo Castro e Gustavo Bones, estiveram na companhia e ajudaram a construir essa forma de se fazer teatro que vai do texto emotivo, voltado para o eu, às interpretações contidas.

Passado de lado, a remontagem de Coisas Invisíveis com os atores convidados Camile Gracian, Carol Castro, Felipe Ávlis e Leonardo Fernandes ainda alcança o público pelos mesmos motivos: é poético, bonito e minimalista. O texto fragmentado de Gustavo Naves Franco é bem amarrado e, em tom jovial – um teatro feito por jovens para jovens, toca em questões comuns ao ser humano, como a força das palavras não ditas nas relações amorosas e a dificuldade de se lidar com a perda de pessoas queridas.

Com olhar distanciado, a sensação que temos é a de que a peça parece feita para comover. As atuações visivelmente ditadas pela direção carregam um desejo claro de carisma e empatia com o público. Os atores sustentam um sorriso e brilho nos olhos durante todo o tempo. A escolha da trilha sonora é bonita e melancólica, mas falta atrito, tornando-se simplória à medida que alinha texto e emoções sugeridas com a letra escolhida para fazer jus ao que acontece em cena.

A encenação é simples: um tapete branco que delimita a cena e pode fazer referência ao Carpet Theatre de Peter Brook que no  início dos  anos  1970 realizou  uma  viagem à África,  apresentando  espetáculos  que tinham como único recurso um tapete que delimitava o espaço cênico. Além do tapete “Coisas Invisíveis” usa pequenos objetos cênicos e uma iluminação igualmente simples que lança mão de muito equipamento para criar sutileza. Nessa lógica a geral pode ter 17 refletores para não fazer caber uma única sombra mais dura, não caber uma pequena parte escura assim como, também Brook, demonstrou fazer quando trouxe seus espetáculos ao Brasil.

Podemos sentir a mão pesada da direção para colocar e sustentar a delicadeza em cena. O espetáculo parece repetir a estética e a interpretação contida de quase uma década. Podemos identificar os mesmos signos. Do figurino às marcações, do tapete no chão à quase total ausência de objetos cênicos, que se repetem a cada nova montagem. O que quase nunca se repete são os atores, sempre jovens convidados para um “novo projeto”.

No geral o que o trabalho da Cia Clara não tem e outros grupos que seguem a mesma linha já desenvolveram são os momentos de ruptura. Uma força contrária ao excesso de doçura. Em “Coisas Invisíveis” e outros espetáculos do grupo sentimos falta de uma explosão, um grito, um clímax, um certo descontrole que poderá potencializar as boas peças, tornando-as mais críveis.

sábado, 13 de outubro de 2012

holoclownsto

Peça carioca encanta a plateia na abertura do FETO - BH

11 de Outubro - Tearo Oi Futuro

Como o próprio nome sugere a peça traz a cena seis clowns que são vitimas do holocausto – ação nazista que matou cerca de seis milhões de judeus durante a segunda guerra mundial. Um acontecimento que podemos denominar como uma das maiores tragédias e um dos maiores fracassos da humanidade. É por essa razão que a escolha de situar a poesia do clown em tais circunstâncias é conceitual.  O Clown não é profundo quando é poético, mas quando faz o público rir de seus fracassos e por tanto de si mesmo, já que não há nada mais humano do que fracassar. Apesar de todos os erros, o clown sempre mantém a esperança e sua força reside precisamente nesse espírito positivo que faz converter os fracassos em triunfos. Assim o espetáculo "Holoclownsto" nos lança em uma viagem do riso e do tempo para rir e transformar esse grande fracasso em um triunfo cênico.

Boa parte da peça se ambienta em um vagão de trem que, imaginamos, deve estar a caminho de um campo de concentração. O recurso para a movimentação do trem, fazendo com que as três paredes articuladas que compõe o cenário girem com o impulso dos atores é escolha acertada da encenação, pontuando também para a passagem do tempo. Vez por outra a fumaça do carvão e atrito da roda da locomotiva penetra por uma minúscula janela da parede central e, sempre que isso acontece, coloca o público em alerta, já que a cena se transforma em clara referencia às câmaras de gás que mataram várias pessoas na segunda guerra.

Cada um dos seis palhaços tem uma mala e dentro um pequeno instrumento com os quais dublam a divertida trilha sonora. Como todo espetáculo de Clown que se preze, "Holoclownsto" faz caber em sua dramaturgia os números e gags mais usuais dos palhaços. Faz isso com bastante naturalidade, já que fazer uma portagem ou mágica que dá errado, por exemplo, é algo plausível para um homem comum tentando amenizar a sua desgraça, um judeu prisioneiro de guerra.

Focando bem a individualidade de cada clown a construção dramatúrgica parece privilegiar aqueles que estão mais a vontade em cena. O menor deles, personagem de homem que sofre as maiores peripécias, representado pela atriz Marcela Rodrigues, é sem dúvida um destaque, seguida de perto por Orlando Caldeira, negro alto de olhos grandes já estranho por natureza. No geral o nível das composições dos atores é muito bom e a falta de presença de alguns não chega a incomodar já que compõem um todo coeso capaz criar imagens juntos.

A iluminação é simples e pontual, aproveita da fumaça, inúmeras vezes utilizada, para trazer a cena de volta à uma prisão de guerra já que o jogo cênico – engraçadíssimo, por vezes tende a nos fazer esquecer. A caracterização se destaca pela maquiagem, perucas e bigodes que transformam quatro atrizes em homens de meia idade. Todos têm figurinos sujos e sem cor que, de certa forma, conseguem nos dizer que palhaço para ser engraçado não precisa ser colorido.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

ode marítima

A importância de um Teatro Físico na cena teatral belorizontina

8 a 11 de Outubro - Funarte - MG


É muito bom quando, diante de uma encenação teatral, conseguimos identificar meses de ensaios. É que o ofício teatral é ingrato. Muitas vezes olhamos para uma cena e só enxergamos algo ruim, exagerado, pretensioso ou displicente. Vamos atendo aos detalhes das atuações “canastronas”, do figurino Read Maid – de origem guarda-roupa velho/bazar, ou do cenário mal-acabado de compensado. São observações comuns que geralmente ofuscam o trabalho que deram porque não conseguem mostrar a labuta diária, a honestidade e o compromisso daqueles que realizaram a peça. Este não é um problema para Ode Marítima.

Nessa montagem do grupo Teatro da Figura o trabalho focado em pesquisa corporal é visível. Construções imagéticas coletivas, experimentações vocais integralizadas à ação, registros coreográficos e das técnicas de dança, como Contato-improvisação e Cavalo Marinho, vêm à cena e se mostram potentes. Não se pode negar que, por vezes, tal pesquisa assume a face de um exercício pré-expressivo que poderia ser aplicado em sala de aula, mas que não chega a comprometer o resultado final. Por essas características poderíamos remeter o trabalho à linha do Teatro Físico, que fundamentalmente tem poucos representantes mineiros e, por essa razão, torna-se importante na construção da cena local.

A inspiração na poesia de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, é clara, mas textualmente tímida. Diante das belas imagens as palavras ditas são quase desnecessárias, colaborando pouco para a construção do sentido. A potência vocal está nos cantos e arranjos das várias vozes que se mostram fracas quando é poesia/verbo o que sai da boca dos atores. De se esperar que na defesa da fisicalização do texto a voz atinja menor força do que a dispensada na presença física.

Curiosamente, um destaque dramatúrgico é a iluminação de Felipe Cosse e Juliano Coelho. Capaz de encher os olhos e intrigar a percepção do espectador tamanha a dualidade entre simples e complexo. Ora precisa, ora dispersa, dialoga com a fumaça e difusores utilizados, para atacar sem ser dura. Cria efeitos semânticos que ajudam a contar a história como a leitura das cordas entrelaçadas de uma embarcação, os respingos de luz solar que ultrapassaram a copa das arvores de uma floresta de índios, e a longínqua linha do tempo da cena final.

A encenação é interessante à medida que coloca a cenografia, figurino e trilha sonora como parte integrante da ação. Tais elementos são utilizados e até reutilizados pelos atores no jogo e composição cênica quando a direção de Juliana Pautilla apodera-se dos objetos e instrumentos para tratar de ambientar a cena. Na mesma linha apoia-se o figurino correto que alcança êxito quando se arrisca na fotografia de uma figura indígena que apenas cruza o palco em tom de mistério e ritualização.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

por parte de pai

Cia Atrás do Pano transpõe para os palcos a poesia de Bartolomeu Campos de Queiroz

21 de Setembro a 14 de Outubro - Teatro Marília


A peça tem cheirinho de casa de .  Está tudo ali: café no bule, xícara de esmalte com lasca do tempo, biscoito de polvilho e aroma de manjericão. Todos esses elementos cenográficos são reais e compõem a atmosfera interiorana sugerida pelo romance Por parte de Pai que deu origem ao espetáculo homônimo da Cia Atrás do Pano.

Apesar dos objetos realistas salta aos olhos a proposta de transformar os tecidos pendurados no varal em cortinas que podem esconder ou revelar, por exemplo, a mesa da cozinha ou, ainda, a belíssima parede vermelha rabiscada a mão – mais uma referência ao texto de Queiroz. O recurso dos tecidos é potencializado pela iluminação que se vale de sombras e velas para ocupar-se de temas que misturam mistério, crença e religiosidade.

A composição de cena é primorosa. A direção de Epaminondas Reis é segura e sabe guiar o olhar do público através dos sons, da luz, dos pequenos movimentos que um ator faz mesmo quando não é o detentor da ação principal. De passagem, as figuras construídas pelos atores Antônia Claret, Paulo Thielmann e Myriam Nacif têm a força de um elenco maduro e nivelado por cima. O destaque fica para o carisma de Paulo Thielmann – o avô do silêncio, que apesar de proferir as frases mais desconcertantes da literatura de Queiroz diz ainda mais quando não diz. À altura estão as atuações de Antônia Claret, capaz de nos fazer esquecer que é uma mulher enquanto encarna o garoto que nos conta a história, e de Myriam Nacif, a avó de passo lento e personalidade forte.

Recentemente a cidade de Belo Horizonte recebeu outra adaptação do mesmo romance de Bartolomeu Campos de Queiroz realizada no Rio de Janeiro. Em produção grandiosa com cenário de Ronaldo Fraga e direção de André Paes Leme, a mineira Nathália Marçal assume sozinha a responsabilidade de contar a história.  A ainda jovem atriz tem interpretação honesta, mas aquém da profundidade do texto. O tom narrativo, em primeira pessoa, é um desafio encarado de frente; entretanto, se perde no ritmo, por vezes monocórdio, e na embocadura das palavras ditas, sem o peso que realmente tem.

Nesse sentido a produção da Cia Atrás do Pano ganha com a adaptação de Carlos Rocha, que nesse trabalho assume a dramaturgia, levando outros personagens à cena. Aos mais críticos que estão sempre à procura de senões, podemos assinalar que o pormenor de alto nível é o próprio texto. Sim, estamos diante de uma bela estória; e, sim, avô, avó e padre postos em cena pela adaptação teatral do romance enriquecem o jogo cênico. Mas também sim, essa estória ainda é literária. E mesmo que essa literaridade esteja na maior parte do tempo superada pelo teatro em si, vivo e presente, em relação com público e elementos de cena, ela é ainda forte o bastante para, por vezes, nos remeter ao livro, ao autor, à poesia e à literatura, enfraquecendo e afastando da plateia o teatro em si. Como disse, um pormenor que não tira os méritos da montagem.