segunda-feira, 1 de outubro de 2012

por parte de pai

Cia Atrás do Pano transpõe para os palcos a poesia de Bartolomeu Campos de Queiroz

21 de Setembro a 14 de Outubro - Teatro Marília


A peça tem cheirinho de casa de .  Está tudo ali: café no bule, xícara de esmalte com lasca do tempo, biscoito de polvilho e aroma de manjericão. Todos esses elementos cenográficos são reais e compõem a atmosfera interiorana sugerida pelo romance Por parte de Pai que deu origem ao espetáculo homônimo da Cia Atrás do Pano.

Apesar dos objetos realistas salta aos olhos a proposta de transformar os tecidos pendurados no varal em cortinas que podem esconder ou revelar, por exemplo, a mesa da cozinha ou, ainda, a belíssima parede vermelha rabiscada a mão – mais uma referência ao texto de Queiroz. O recurso dos tecidos é potencializado pela iluminação que se vale de sombras e velas para ocupar-se de temas que misturam mistério, crença e religiosidade.

A composição de cena é primorosa. A direção de Epaminondas Reis é segura e sabe guiar o olhar do público através dos sons, da luz, dos pequenos movimentos que um ator faz mesmo quando não é o detentor da ação principal. De passagem, as figuras construídas pelos atores Antônia Claret, Paulo Thielmann e Myriam Nacif têm a força de um elenco maduro e nivelado por cima. O destaque fica para o carisma de Paulo Thielmann – o avô do silêncio, que apesar de proferir as frases mais desconcertantes da literatura de Queiroz diz ainda mais quando não diz. À altura estão as atuações de Antônia Claret, capaz de nos fazer esquecer que é uma mulher enquanto encarna o garoto que nos conta a história, e de Myriam Nacif, a avó de passo lento e personalidade forte.

Recentemente a cidade de Belo Horizonte recebeu outra adaptação do mesmo romance de Bartolomeu Campos de Queiroz realizada no Rio de Janeiro. Em produção grandiosa com cenário de Ronaldo Fraga e direção de André Paes Leme, a mineira Nathália Marçal assume sozinha a responsabilidade de contar a história.  A ainda jovem atriz tem interpretação honesta, mas aquém da profundidade do texto. O tom narrativo, em primeira pessoa, é um desafio encarado de frente; entretanto, se perde no ritmo, por vezes monocórdio, e na embocadura das palavras ditas, sem o peso que realmente tem.

Nesse sentido a produção da Cia Atrás do Pano ganha com a adaptação de Carlos Rocha, que nesse trabalho assume a dramaturgia, levando outros personagens à cena. Aos mais críticos que estão sempre à procura de senões, podemos assinalar que o pormenor de alto nível é o próprio texto. Sim, estamos diante de uma bela estória; e, sim, avô, avó e padre postos em cena pela adaptação teatral do romance enriquecem o jogo cênico. Mas também sim, essa estória ainda é literária. E mesmo que essa literaridade esteja na maior parte do tempo superada pelo teatro em si, vivo e presente, em relação com público e elementos de cena, ela é ainda forte o bastante para, por vezes, nos remeter ao livro, ao autor, à poesia e à literatura, enfraquecendo e afastando da plateia o teatro em si. Como disse, um pormenor que não tira os méritos da montagem.

2 comentários:

  1. Caro Bento.
    Fazer teatro não é fácil... Sofrido até.
    Mas vale a pena quando recebemos um comentário como o seu, que percebe com tanta sensibilidade a proposta de nossa montagem. Vida longa ao blog
    Beijos,
    Myriam Nacif
    Grupo Atrás do Pano

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    1. oi Myriam,
      obrigado pelas palavras cortezes.
      entendo o que diz sobre a dificuldade e sofrimento do fazer artístico, o objetivo dos comentários é justamente valorizar o teatro de Belo Horizonte. todos os textos buscam gerar interlocução, reflexão e pensamento sobre as obras e dar um retorno maior que o simples aplauso. o desejo principal é contribuir para o formação de público, fomentando e valorizando o teatro. parabéns pelo espetáculo!
      seguimos em frente.
      abraço!

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